POSTURA, ATITUDE, GESTOS ETC. – Teologia Pastoral
Esta preleção começa com o terceiro ponto. Lembram-se de que falamos que a movimentação não deve ser excessiva e, em segundo lugar, que ela deve ser apropriada. Agora vem a terceira regra: a movimentação e os gestos nunca devem ser grotescos. Isso é bastante evidente, e não insistirei no ponto, exceto dando alguns espécimes do grotesco para que vocês não somente evitem as situações idênticas, mas também as que tenham características semelhantes. Parece que em todas as épocas os gestos absurdos têm sido muito numerosos, pois num velho autor encontro uma longa lista de excentricidades, algumas das quais é de esperar que tenham abandonado este mundo, enquanto que outras são descritas em termos tão violentos que provavelmente não passam de caricaturas dos fatos reais. O referido escritor diz:
“Alguns mantêm a cabeça imóvel e virada para um lado, como se fosse feita de chifre; outros fitam os olhos de modo horrível, como se tivessem a intenção de assustar toda gente; alguns estão sempre torcendo a boca e mexendo o queixo enquanto falam, como se estivessem mascando nozes o tempo todo; alguns, como o apóstata Juliano, respiram insultos, e exprimem desdém e insolência em seus semblantes. Outros, como se personalizassem os heróis fictícios das tragédias, escancaram tremendamente a boca e esticam os maxilares tão amplamente como se fosse engolir a todos; acima de tudo, quando rugem furiosos, espalham espuma para todo lado e ameaçam com a testa enrugada e com olhos que parecem Saturno. Estes, como se estivessem praticando algum jogo, estão continuamente fazendo movimentos com os dedos e, pelo extraordinário trabalho das mãos, esforçam-se para formar no ar, quase posso dizê-lo, todas as figuras usadas pelos matemáticos; aqueles, ao contrario, têm mãos tão pesadas e tão presas em baixo pelo terror, que poderiam mover mais facilmente vigas de madeira. Muitos labutam tanto com os cotovelos que é evidente que, ou foram outrora sapateiros, ou não viveram em outra sociedade que a dos remendões. Alguns são tão instáveis nos movimentos do corpo que parecem estar falando numa canoa; outros ainda são tão pesados e grosseiros em seus movimentos, que você poderia pensar que são sacos de estopa pintados para parecerem homens. Vi alguns que davam saltos na plataforma e pulavam até quase caírem fora; homens que exibiam a dança do forrador, e, como diz o velho poeta, expressavam com os pés a sua aptidão. Mas quem é capaz de, num curto espaço, enumerar todos os defeitos de gesticulação, e todos os absurdos da má elocução?”
Certamente esse catálogo poderia contentar o mais voraz colecionador a serviço da câmara de horrores, mas não incluí a metade do que pode ser visto em nossos tempos por alguém capaz de vaguear de uma igreja a outra. Como as crianças parecem não esgotar nunca as suas travessuras maldosas, assim os pregadores parecem nunca chegar ao fim dos seus gestos estranhos. Mesmo os melhores caem neles ocasionalmente.
A primeira espécie de ação grotesca pode ser denominada, a ação rígida; e é muito comum. A impressão que se tem é que os homens que exibem este horror Não têm dobras no corpo e têm as juntas enrijecidas. Os braços e as pernas se movem como se estivessem presas a gonzos de ferro, e como se fossem feitos de metal excessivamente duro. Um boneco anatômico de madeira, como os usados pelos artistas, poderia representar bem os seus braços e pernas, tão retos e rígidos, mas isto não mostraria os puxões com que esses braços e pernas são atirados para cima e para baixo. Não há nada que seja circular nos movimentos desses irmãos; tudo é angular, agudo, mecânico. Se eu tivesse que expor o que pretendo colocando-me nas atitudes retangulares deles, poderiam pensar que eu estava fazendo caricatura de mais um teólogo da região setentrional, tremendamente hábil, e, tendo o temor disto diante dos meus olhos, e, ainda mais, tendo o máximo respeito por aqueles irmãos, não ouso entrar em pormenores muito insignificantes. Contudo, é de supor que esses bons homens têm ciência de que suas pernas não deviam apresentar-se como se pertencessem a um cavalo de cânhamo, ou a uma enorme tenaz, e de que os seus braços não deviam ser absolutamente rígidos como atiradores.
Já se sugeriu óleo para as juntas, mas parece que falta óleo nos próprios braços e pernas, que se movem para cima e para baixo como se pertencessem a uma máquina, e não a um organismo vivo. O certo é que nenhum exercício poderia curar esse defeito que, em alguns pregadores, quase chega a ser uma deformidade. No palco do Exeter Hall, cavalheiros afligidos por rigidez natural não somente fornecem material para o habilidoso caricaturista, mas também, infelizmente, desviam a atenção dos seus ouvintes, dos seus admiráveis discursos para os seus execráveis movimentos.
Em certa ocasião, ouvimos cinco ou seis observações feitas sobre a grosseria da postura do mestre, e apenas um ou dois elogios ao seu excelente discurso. “O povo não nota semelhantes insignificâncias”, observa o nosso amigo Philo. Mas o povo nota sim essas insignificâncias, devessem fazê-lo ou não, e, portanto, é melhor não exibi-las.
É provável que algumas pessoas excelentes considerem toda esta preleção como indigna de sua atenção e como tendo humor questionável. Mas, não posso deixar de fazê-la, pois, embora eu não atribua tanto valor à movimentação como Demóstenes ao desenvolver o primeiro, o segundo e o terceiro ponto da oratória, é certo que muito bom discurso carece de poder por causa do comportamento desajeitado do orador. Portanto, se eu puder em alguma medida reparar o mal, alegremente agüentarei a crítica dos meus irmãos mais melancólicos.
Por mais jocosas que as minhas observações pareçam, ajo com profunda seriedade. A melhor maneira de atacar essas loucuras é com as leves setas do ridículo, pelo que as emprego, não tendo a mesma opinião daqueles
“Que acham toda a virtude no ar de gravidade,
e nos sorrisos vêem sintomas de maldade.”
A segunda forma do grotesco não difere propriamente da primeira, e pode distinguir-se melhor como o tipo mecânico metódico. Neste caso, os homens se movem como se não fossem seres vivos possuídos de vontade e intelecto, mas como autômatos formados para seguirem a intervalos precisos, movimentos prescritos. Nos fundos do Tabernáculo um sitiante instalou sobre sua casa uma espécie de cata-vento com forma de soldadinho, que levanta um braço e depois o outro à menor brisa. Muitas vezes isso me fez sorrir porque irresistivelmente me recorda Fulano que alternadamente sacode os braços, ou, se deixa parado um braço, movimenta o outro para cima e para baixo tão persistentemente como se o homem fosse acionado pelo vento ou por um maquinismo de relógio. Para cima e para baixo, para cima e para baixo vai a mão, sem virar nem para a direita, nem para a esquerda, todo movimento sendo repudiado, exceto este monótono subir e descer.
Pouco importa quão inquestionável um movimento seja em si mesmo, virá a ser intolerável se for feito continuadamente, sem variação. Ludovicus Cresollius, da Bretanha (1620) em seu tratado sobre os movimentos e a pronúncia do orador, fala um tanto fortemente de um culto e polido pregador parisiense que o irritara com a enfadonha monotonia da sua movimentação. “Quando ele se voltava para a esquerda, falava algumas palavras acompanhadas por um moderado gesto da mão. Depois, inclinando-se para a direita, desempenhava aquele mesmo papel. Depois virava para a esquerda, e logo para a direita de novo. A intervalos medidos e quase iguais, executava o gesto usual e prosseguia em sua única espécie de movimento. Somente podia comparar-se aos bois da Babilônia que, com os olhos vendados, avançavam e retornavam pelo mesmo caminho. Isso me desgostou tanto, que fechei os olhos, mas mesmo assim não pude eliminar a desagradável impressão causada pela atitude do orador.”
O estilo predominante na Câmara dos Comuns, na medida em que o tenho visto nas sessões públicas, consiste de um movimento das costas e da mão para cima e para baixo. O ouvinte parece ver o parlamentar inclinar-se perante o Presidente e a honorável câmara como um garçom o faz no restaurante ao receber o pedido de um prato primoroso. “Sim senhor”, “Sim senhor”, “Sim senhor”, sacudindo o corpo a cada exclamação. A divertida trova seguinte, com seus versos curtos, traz muitos oradores parlamentares à minha memória:
“Sr. Parlapatão,
Não alise o chapelão;
a sua argumentação
amassa o chapéu doutro varão.”
Isto tem bastante afinidade com o que foi descrito com precisão como estilo de manejo de bomba. É testemunhado com freqüência, e consiste de uma longa série de movimentos de braço, visando, talvez, a aumentar a ênfase, nada conseguindo, porém. Oradores desse tipo lembram-nos o enigma de Moore: “Por que uma bomba é parecida com o lorde Castlereagh?”
“Porque é coisa de tábua, e bem delgada,
que alteia e abaixa o seu braço grosseiro
e frio fala, fala, o tempo inteiro,
numa eterna torrente, fraca e aguada.”
Ocasionalmente se vê um movimento tipo serrote, em que o braço se estira e se contrai alternadamente. Este movimento é levado à perfeição quando o orador se inclina sobre o gradil ou sobre a parte da frente do púlpito, e se dobra para baixo, para o povo, como o serrador em andaimes, trabalhando em vigamentos. É admirável, quantas vigas o homem serraria se estivesse de fato trabalhando na madeira, em vez de estar serrando o ar. Damos graças pela conversão de serradores, mas confiamos em que se sintam livres para deixar para trás os seus serrotes.
Coisa bem parecida se pode dizer dos numerosos malhadores que trabalham entre nós, que golpeiam e batem com grande rapidez, arruinando as Bíblias e espanando os forros dos púlpitos. Os precursores desses cavalheiros foram celebrados pelas linhas freqüentemente citadas de Hudibras:
“E o púlpito é batido – bombo eclesiástico,
Não com baqueta, mas, com o punho do bombástico.”
Seu único movimento é malhar, malhar, malhar, sem sentido e sem motivo, quer o tema seja alegre ou dramático. Pregam com a apresentação de provas e com poder, mas a manifestação é sempre a mesma. Não ousamos afirmar que eles batem com o punho da impiedade, mas o certo é que batem, e com o maior vigor. Exibem as doces influências da poesia das Plêiades* e os gentis galanteios do amor com golpes dos punhos; e se esforçam para fazer com que você sinta a beleza e a ternura do tema deles por meio de pancadas do seu malho que não pára nunca.
Alguns deles são tolos, realmente, e nem sequer martelam com real boa vontade – e então a coisa fica intolerável. A gente gosta de ouvir um bom ruído, e de ver um homem malhar com veemência, se é que isso tem que ser feito afinal. Mas o cavalheiro que temos em mente raramente ou nunca é ardoroso em seu trabalho, e bate simplesmente porque esse é seu modo de agir.
“O malho enorme escuta-se vibrar
em cadenciado e lento golpear.”
Se o individuo tem que golpear, que o faça com ardor. Mas não é preciso ficar batendo perpetuamente. Há melhores meios de tornar-se pregador contundente do que imitar o teólogo a respeito de quem o seu assessor litúrgico disse que tinha despedaçado as partes internas de uma Bíblia e já ia indo longe com outra. Em certos sermões latinos que constam de manuscritos antigos, com notas marginais, recomenda-se ao pregador que sacuda o crucifixo e malhe o púlpito com ele, como se malhasse o próprio Satanás! Deste modo poderia reunir os seus pensamentos. Mas não deve se dar muito valor a pensamentos coligidos assim. Terão alguns desses nossos amigos visto esses manuscritos, apaixonando-se por sua orientação? É o que parece.
Agora, os puxões, os movimentos de serrote, de manejo de bomba, e de bater poderiam ser suportáveis e até apropriados, se fossem combinados. Mas a repetição de um deles é cansativa e sem sentido. As figuras dos mandarins numa casa de chá, continuamente meneando a cabeça, e das damas de cera que giram com movimentos uniformes na vitrina do cabeleireiro, não são bons modelos para homens que têm diante de si a importante obra de conquistar pecadores para viverem na esfera da graça e da virtude. Vocês devem ser tão fiéis, tão verdadeiros, tão profundamente ardorosos, que lhes sejam impossíveis os movimentos meramente mecânicos, e tudo que lhes diz respeito significará vida, energia, aptidão concentrada e zelo intenso.
Outro método de grotesco pode ser corretamente denominado, método dos laboriosos. Certos irmãos nunca falharão no ministério por falta de esforço. Quando sobem à tribuna sacra tencionam dar duro, e dentro de pouco tempo estão bufando e resfolegando, como se fossem operários trabalhando por peça. Entram num sermão com a resolução de romper caminho através dele, empurrando tudo à sua frente. O reino dos céus sofre violência da parte deles num sentido diverso daquele que é visado pela Escritura.
“Como vai indo o seu novo pastor?”, perguntou um amigo curioso a um ouvinte simples. “Ora”, respondeu o outro, “claro que vai para a frente, pois toca o pecado como se estivesse abatendo um boi.” Excelente coisa para se fazer espiritualmente, não porém literalmente.
Quando ocasionalmente ouço contar que um rude irmão tirou o colarinho e a gravata num dia muito quente, e que chegou a tirar o paletó, acho que ele estava simplesmente se pondo em condições favoráveis ao orador de físico vigoroso, pois é evidente que esse tipo de irmão considera o sermão como uma batalha ou como uma luta de competição. Um furacão irlandês que conheço quebrou uma cadeira durante uma declamação contra o papado, e fiquei a tremer pela mesa também. Um distinguido ator que se converteu e se fez pregador em avançada idade, costumava golpear a mesa ou o assoalho com a bengala quando se acalorava no discurso. Fez-me desejar tapar os ouvidos quando as violentas pancadas do seu cajado se repetiam com rapidez e força crescente. Qual a utilidade peculiar do barulho não sei dizer, pois estávamos todos despertos, e a voz dele era bastante forte. Contudo, não há porque importar-nos com essa atitude do grande ancião, pois ele se prestava ao “belo frenesi” do seu dedicado entusiasmo, mas não seria desejável tal barulho partindo de algum de nós.
A ação laboriosa é freqüentemente uma relíquia herdada da atividade exercida pelo pregador no passado. Como o velho caçador não pode esquecer inteiramente os cães de caça, assim o bom homem não pode livrar-se dos hábitos do estabelecimento em que trabalhava. O irmão que foi especialista na fabricação de rodas, prega sempre como se estivesse fazendo rodas. Se você entende da arte de fabricar carros e rodas, pode perceber a maior parte dos processos ilustrada durante um dos discursos mais vigorosos dele. Poderá detectar o engenheiro noutro irmão, o tanoeiro num terceiro, e o merceeiro com sua balança num quarto irmão. O colega que trabalhou no matadouro certamente nos mostrará como se abate um boi de corte, quando chegar ao auge da argumentação. Quando vejo o discurso ir de força em força, e o pregador acalorar-se em seu trabalho, penso comigo mesmo: “Aí vem o açougueiro com a sua machadinha, ali vai a gorda vaca, e caí por terra o boi cativo.”
Ora, essas reminiscências das ocupações anteriores nunca são muito censuráveis e sempre são menos detestáveis do que a falta de jeito por completo indesculpável dos cavalheiros que viveram nas câmaras do saber desde a juventude. Às vezes estes labutam muitíssimo, mas com muito menor semelhança a ocupações úteis. Esmurram o ar e dão duro no trabalho de não fazer nada. Cavalheiros procedentes das universidades são, com freqüência, mais abomináveis em suas atitudes do que as pessoas comuns. Talvez a instrução recebida os tenha privado da confiança em si, tornando-os nervosos e desajeitados.
Ocorre-me que alguns oradores imaginam que estão batendo tapetes, ou cortando varetas, ou picando carne para lingüiça, ou passando manteiga, ou enfiando os dedos nos olhos das pessoas. Ah, se eles pudessem ver-se a si próprios como os outros os vêem, poderiam parar de representar diante do público, economizando os seus exercícios físicos para outras ocasiões. Afinal, prefiro as demonstrações vigorosas e laboriosas aos ares mais calmos e pomposos de certos oradores cheios de si. Um esfrega as mãos muito satisfeito consigo mesmo,
“Lavando suas mãos com sabão invisível,
em água imperceptível”,
e, enquanto isso, proclama as mais típicas trivialidades com ares de quem sobrepuja Robert Hall ou Chalmers (famosos pregadores). Outro faz pausa e olha em volta com nobre semblante, como se tivesse comunicado inestimável informação a um grupo de indivíduos altamente favorecidos, dos quais razoavelmente se poderia esperar que atingissem um estado de intenso entusiasmo e expressassem o seu irresistível senso de obrigação. Nada do que foi dito, foi além da mais simples conversa de colegiais. Mas o ar de dignidade, a atitude de autoridade, e mesmo a entonação dada pelo homem – tudo mostra quão completamente satisfeito está. Esta pregação não é do tipo laborioso, mas me ocorreu mencioná-la por ser o inverso dela, merecendo muito maior condenação. Alguns simplórios se iludem, sem dúvida, e imaginam que quando alguém fala de maneira pomposa, só pode estar dizendo algo grandioso. Mas os sensatos primeiro se divertem, e depois se aborrecem com o modo grandiloqüente, “a la grand seigneur” – à grande senhor.
Uma das grandes vantagens do treinamento da nossa Escola Bíblica é a certeza de que o maneirismo inflado será por certo, destruído pela amável violência com que todos os nossos estudantes se deleitam em livrar o irmão desse perigo. Muitas pessoas cheias de vento foram derrubadas nesta sala, pelo toque gracioso de vocês, para nunca mais inflar-se retomando as dimensões antigas – espero eu. No ministério de todas as igrejas há alguns que seriam beneficiados maravilhosamente por um pouco da franca, senão rude, crítica suportada por florescentes oradores que caíram em suas mãos. Gostaria que qualquer ministro a quem tenha faltado esse martírio deveras instrutivo, encontrasse um amigo suficientemente sincero para apontar-lhe quaisquer excentricidades nos modos, em que possa ter caído sem perceber.
Mas aqui é preciso não passar por alto outro orador do tipo laborioso que temos em mente. Vamos denominá-lo, o pregador moto-contínuo, que é todo ação, e levanta o dedo, ou agita a mão, ou bate palmas a cada palavra. Nunca está em repouso, nem por um momento. É tão ansioso por ser enfático, que na verdade anula o seu objetivo, pois, quando cada palavra do discurso recebe ênfase mediante um gesto, nada é enfático. Esse irmão desvia a atenção dos ouvintes, das suas palavras para os seus movimentos. Os olhos realmente levam os pensamentos para longe do ouvido e, assim, pela segunda vez, o pregador perde o fim em vista. Essa movimentação contínua agita alguns ouvintes e irrita os nervos. E não é de admirar, pois quem agüenta ver esse incessante afagar, e apontar, e sacudir? Na movimentação, como em tudo mais, “seja a vossa moderação conhecida de todos os homens.”
Mencionei, pois, três espécies do grotesco – o rígido, o mecânico e o laborioso – dando uma vista de olhos ao indolentemente engrandecido. Encerrarei a lista mencionando outras duas. Existe o tipo marcial, que também faz limites com o grotesco a ponto de merecer ser incluído nesta categoria. Alguns pregadores parecem estar combatendo o bom combate da fé toda vez que se levantam diante de um grupo de ouvintes. Assumem atitude belicosa e, ou ficam em guarda contra um inimigo imaginário, ou então atacam o adversário invisível com inflexível determinação. Não poderiam ter aparência mais feroz se estivessem à frente de um regimento de cavalaria, nem pareceriam mais satisfeitos no fim de cada divisão do discurso, se tivessem combatido numa série de Waterloos (vencendo outros tantos Napoleões). Curvam a cabeça para um lado, com ar triunfante, como se prestes a dizer: Derrotei aquele inimigo, e nunca mais ouviremos falar dele.”
A última singularidade de movimentos que colocarei sob este ponto é a do tipo descompassado. Neste caso, as mãos não estão no mesmo compasso dos lábios. O bom irmão é um pouco tardio em seus movimentos e, daí, toda a operação fica desordenada. No princípio você não consegue decifrar o homem. Parece socar e tocar sem pé nem cabeça, mas, por fim, você percebe que os movimentos que ele faz –agora são próprios para o que ele disse segundos antes. O efeito é estranho ao extremo. É um enigma incompreensível para os que não têm a chave para decifrá-lo e, quando plenamente compreendido, não perde nada da sua esquisitice.
Além destas excentricidades, há um tipo de movimentação que, para usar a expressão mais branda, deve ser descrita como completamente feia. Para os deste caso, uma plataforma é “geralmente necessária”, pois ninguém consegue fazer-se tão inteiramente ridículo quando oculto por um púlpito. Agarrar-se a um gradil e curvar-se cada vez mais para baixo até quase tocar o piso é o cúmulo do absurdo. Talvez seja uma posição apropriada como prelúdio de uma proeza de ginástica de agilidade, mas como acompanhamento da eloqüência, é monstruosa. Entretanto, eu já vi isso mais de uma vez. Acho difícil descrever com palavras essa posição fora do comum, mas um retrato mostraria como é ridícula e tornaria obsoleta a atitude. Um ou dois irmãos se divertiram na minha tribuna dessa maneira extravagante, e são bem-vindos para repetirem o ato, para ver se, ao ver-se traçados deste modo rude, considerem aquela postura imponente e impressionante. Seria muito melhor para tais atores que se relatasse deles o que se registrou sobre o grande wesleyano Richard Watson: “Ele ficava perfeitamente ereto, e quase toda a movimentação que empregava era um ligeiro movimento da mão direita e um significativo meneio ocasional da cabeça.”
O hábito de encolher os ombros chega a dominar alguns pregadores. Certo número de homens tem ombros largos por natureza, e muitos outros mais parecem determinados a dar essa impressão, pois quando não têm algo de peso para transmitir, apóiam-se, elevando as costas. Um excelente pregador de Bristol, recentemente falecido, fazia ressaltar a corcova, primeiro de um ombro e depois do outro, enquanto os seus grandiosos pensamentos lutavam para sair e, quando conseguia expressá-los, parecia um corcunda, até o esforço esvair-se. Que lástima um hábito desses tornar-se inveterado! Quão desejável evitar a sua formação!
Diz Quintiliano: “Algumas pessoas levantam os ombros quando falam, mas isso é um erro na gesticulação. Para curar-se disso, Demóstenes costumava ficar numa tribuna estreita e praticar a oratória com uma lança pendurada sobre o ombro de modo que, se no calor da alocução ele deixasse de evitar aquele defeito, seria corrigido ferindo-se contra a ponta.” Este é um remédio agudo, mas valeria a pena uma ferida ocasional, se os que destorcem a forma humana fossem curados desse erro.
Numa reunião pública certa ocasião, um cavalheiro que parecia muito em casa, falando com elevada dose de superioridade familiar, pôs as mãos para trás, debaixo da dupla cauda do fraque, e o resultado foi uma figura muito singular, especialmente para os que o viam de perfil, estando ao lado da tribuna. À medida que o orador ficava mais animado, movia as pontas do fraque com maior freqüência, lembrando ao espectador a rabeta-ferreira (ave de cauda inquieta). É preciso ver para apreciá-lo, mas uma só exibição será suficiente para convencer qualquer pessoa sensata de que, por mais gracioso que um fraque seja, de modo nenhum contribuí para a solenidade da ocasião ver as pontas da cauda desse traje projetando-se por trás do orador.
Vocês também devem ter visto nas reuniões o cavalheiro que põe as mãos nos quadris e, ou olha como se desafiasse o mundo, ou como se estivesse suportando considerável dor. Esta posição lembra muito mais a Billingsgate e as mulheres que ali gritam anunciado a venda de peixes, do que a eloqüência sacra. Os braços “akimbo“, creio que é como dizem (descrevendo o movimento de colocação das mãos nas cadeiras, com os cotovelos voltados para fora), e o próprio som da palavra sugerem o ridículo, não o sublime. Podemos ceder a isso no momento próprio, mas fazer um discurso com aquela postura é absurdo. Pior ainda é meter as mãos nas calças, como as pessoas que se vêem nas estações ferroviárias francesas que, provavelmente, enfiam as mãos nos bolsos porque nNão há nada neles, e a natureza detesta o vácuo. Ninguém será criticado por colocar um dedo no colete por um instante, mas enfiar as mãos nas calças é ultrajante. Haverá a sensação de completo desprezo pelos ouvintes e pelo tema, diante de um homem que chegue a fazer isso.
Cavalheiros, porque vocês são cavalheiros, nunca precisarão ser advertidos contra essa prática, pois não se rebaixarão a ela. Uma vez ou outra, perante ouvintes excessivamente delicados e emproados, um homem pode ser tentado a causar choque à estulta afabilidade deles adotando liberdade e certo relaxamento, visando ao protesto de uma rude varonilidade. Ver, porém, um homem pregar com as mãos nos bolsos não nos lembrará nem um profeta, nem um apóstolo. Há irmãos que estão sempre fazendo isso, e o fazem confiados no poder da sua personalidade. Pois são estes mesmos que não deveriam fazer coisa alguma dessa espécie, porque o seu exemplo é poderoso e eles são um tanto responsáveis pelos fracotes que os imitam.
Outro estilo indecente é quase ligado ao precedente, embora não seja tão condenável. Pode-se ver nos jantares públicos da classe comum, onde os alvos coletes precisam de uma pequena exibição extra, e nas reuniões de operários, em que um empregador oferece um banquete aos seus homens, e está respondendo ao brinde da “firma”. Ocasionalmente se exibe em reuniões religiosas, onde o orador é homem de importância local e se sente monarca sobre todos os que estão sob suas vistas. Neste caso, os polegares são inseridos nas cavas do colete, e o orador atira para trás o casaco, pondo a descoberto a parte inferior da camisa. A isto dei o nome de estilo de pingüim, e não consigo achar comparação melhor. Para um lacaio ou cocheiro num soirée (sarau), ou para um membro da Ordem dos Sujeitos Estrambóticos, essa atitude pode ser adequada e digna; e um venerando senhor numa reunião familiar pode falar aos seus meninos e meninas naquela posição. Mas, para um orador público, e muito mais para um ministro, como hábito usual, está tão fora das boas qualidades requeridas quanto uma postura pode estar.
Companheiro desse modo de agir é o costume de segurar o paletó perto da gola, como se o orador considerasse necessário manter-se bem seguro pelas mãos. Alguns agarram firmemente o vestuário nessa parte, e depois esfregam as mãos para cima e para baixo como se pretendessem dobrar o paletó em algum ponto, ou alongar a gola. Parecem pender da parte dianteira do paletó, como um homem agarrado em duas cordas. É de admirar que a roupa não se rasgue por trás, à altura do pescoço. Esta prática não acrescenta nada à força ou à clareza do estilo do orador, e sua provável significação é: “Estou tranqüilo à bessa, e ouvir a minha voz me deleita grandemente.”
Supondo que seria bom eliminar tantas feiúras quantas for possível, mencionarei mesmo aquelas que são um tanto raras. Lembro-me de um ministro competente, que estava acostumado a fitar a palma da sua mão esquerda enquanto, com a direita, parecia ir tirando dali as suas idéias. Divisões, ilustrações, pontos de exposição, pareciam brotar em sua palma como outras tantas flores, que ele parecia arrancar cuidadosamente pela raiz, uma por uma, exibindo-as ao público. Isso tinha pouca importância, pois o pensamento daquele pregador era da mais alta ordem de excelência, mas o certo é que aqueles movimentos não tinham graça nenhuma.
Um pregador de classe nada inferior costumava levantar o punho até à própria testa e tocar de leve na fronte, como se precisasse bater à porta da mente para despertar os seus pensamentos. Isso também era mais peculiar do que eficaz.
Fincar na mão esquerda o indicador da direita, como que abrindo pequenos buracos na palma, ou usar dito dedo em riste, como se você estivesse apunhalando o ar, é outra atitude extravagante que não deixa de ter o seu lado cômico.
Passar a mão pela testa quando o pensamento é profundo e não está fácil encontrar a palavra exata, é um movimento muito natural, mas copar a cabeça não é igualmente aconselhável embora talvez perfeitamente natural. Vi esta última cena levada a consideráveis extensões, mas nunca me enamorei dela.
Não posso deixar de mencionar uma ridicularia acidental que é demasiadamente comum. Alguns irmãos sempre dão ordens com a mão espalmada, que continuam movendo para cima e para baixo ao ritmo de cada sentença. Ora, este movimento é excelente a seu modo, se não for executado de maneira muito monótona, mas infelizmente está sujeito a acidentes. Se o ardoroso orador continua a mover a mão para cima e para baixo, corre o grande perigo de apresentar uma aparência com implicações deploráveis. O objetivo da ação é o simbólico, mas, infelizmente, o símbolo está um tanto vulgarizado, e tem sido descrito como “pôr o dedão do despeito no nariz da desfeita.” Alguns há que tolamente cometem esse erro uma série de vezes durante um discurso.
Vocês deram risada destes retratos que procurei esboçar para sua edificação. Cuidado, que ninguém venha a rir-se de vocês por caírem nestas atitudes absurdas ou noutras semelhantes.
Devo confessar, porém, que não penso tão mal de qualquer delas, ou de todas juntas, como penso do estilo superfino, inteiramente desprezível e abominável. É pior do que o vulgar comum, pois é a própria essência da vulgaridade, aromatizada com ostentações e ares de fidalguia. Rowland Hill esboçou a coisa que estou condenando no retrato que fez do Sr. Taplash. É certo que é uma representação mais correta de características de cinqüenta anos atrás, do que de agora, mas nos traços principais ainda é suficientemente exata.
“O orador, em sua primeira apresentação, vinha empertigado e vestido com a mais consumada elegância. Nem um fio de cabelo se achava fora de lugar em seu crânio vazio, no qual o barbeiro estivera exercendo o seu oficio toda a manhã de domingo; e empoado até ficar alvo como a neve. Assim elegantemente decorado, e cheirando como um gato almiscarado, pela abundância de perfume, impregnava o ar de aroma quando passava. Então, com o mais vaidoso saltitar, subiu ao púlpito como se estivesse saindo de uma chapelaria. E ali tinha de exibir Não somente a sua elegante produção como também a sua elegância pessoal, sua mão alva e delicada exibindo um anel de diamante, enquanto o seu lenço branco, recendendo a finos aromas, era desdobrado e manuseado com admirável destreza e arte. Seu frasco de sais aromáticos era levado ocasionalmente ao nariz, dando ao dono diversas oportunidades para exibir o cintilante anel. Tendo desse modo ajustado a importante questão do lenço e do frasco de sois, em seguida tirava os óculos, para poder reconhecer a nata do seu auditório, pessoas com as quais talvez tivesse agido galantemente, entretendo-as com sua conversa barata no dia anterior. A estas, tão logo lhes encontrava os olhos, favorecia com um olhar sorridente e com um aceno gentil.”
Esta é uma pungente versão de uma resenha publicada por Cooper sobre certos “mensageiros da graça” que “voltavam a si” quando acabava o sermão. Pequeninas personalidades, devem ter sido.
“Sai o espelho de bolso, e primeiro riscamos
a sobrancelha; logo o cabelo aprumamos.
Em seguida, com ar graciosamente armado,
na poltrona caímos e o braço estendemos
e o pousamos gentis no braço da poltrona
com o lenço estirado e pendendo da mão.
Mais ocupada, a destra oferece ao nariz
seu perfume, ou ajuda presta aos olhos gratos
com binóculos para ver moventes cenas
e olhar a exposição que devagar se esvai.
Ora, isto é repugnante, e a mim me ofende mais
do que, no homem da igreja, a ociosa negligência
e a grosseria rústica.”
“Grosseria rústica” é algo reanimador, depois de se estar cansado da vaidade fútil. Bem fazia Cícero, exortando os oradores a adotarem antes os gestos do quartel ou da arena, do que os dos dançarinos com suas finuras efeminadas. Nunca se deve sacrificar a varonilidade à elegância. Os operários nunca serão levados sequer a pensar na verdade do evangelho por mestres que são finos almofadinhas. O trabalhador britânico admira a virilidade e prefere dar ouvidos a alguém que fala num estilo natural e sincero. Na verdade, os operários de todas as nações tendem mais a ser tocados por uma negligência bravia do que por uma presunçosa atenção à aparência pessoal. A história contada pelo abade Mullois é – suspeitamos – apenas uma dentre uma série numerosa.
Um operário parisiense convertido, homem de boa disposição mas franco, cheio de energia e de espírito, que tinha falado muitas vezes com grande sucesso em agremiações compostas de homens da sua classe, foi abordado pelo pregador que o levara a Deus. Pediu-lhe que lhe informasse por qual instrumentalidade ele, que antes fora tão alienado da religião, chegara a ser restaurado à fé. “Dai-me a informação”, disse o interrogador, “pode ser-me útil nos esforços que faço para recuperar outros.” “Acho que não”, replicou o homem, “pois devo dizer-lhe francamente que o senhor não figura de modo notável no caso.” “Não importa”, disse o outro, “Não será a primeira vez que ouço a mesma observação.” “Bem, se quer ouvir, posso contar-lhe em poucas palavras como se deu o fato. Uma boa senhora me havia importunado, insistindo que lesse o seu livrinho – perdoe-me a expressão; eu costumava falar nesse estilo naqueles tempos. Ao ler umas poucas páginas, fiquei tão impressionado que tive grande desejo de vê-lo.
“Disseram-me que o senhor pregava em certa igreja, e fui ouvi-lo. Seu sermão acrescentou algum efeito em mim, mas, para falar com franqueza, muito pouco. Na verdade, comparativamente, nada. O que fez muito mais por mim foi a sua maneira aberta, simples e descontraída. Acima de tudo, o seu cabelo mal penteado; pois sempre detestei aqueles clérigos cujas cabeças lembram a de um cabeleireiro; e disse a mim mesmo: ‘Visto que esse homem se esquece de si próprio em nosso benefício, devemos, portanto, fazer alguma coisa a favor dele.’ Daí resolvi visitá-lo, e o senhor me embolsou. Foi assim que a coisa começou e acabou.”
Existem tolas senhoritas arrebatadas por algum jovem cujo principal pensamento é a sua preciosa pessoa. É de esperar que estas estejam escasseando cada dia que passa. Mas, os homens sensatos, e especialmente os robustos trabalhadores das nossas grandes cidades, detestam completamente qualquer sinal de vaidade num ministro. Onde quer que você encontre ostentação presunçosa, encontrará ao mesmo tempo uma barreira entre aquele homem e a multidão dotada de bom senso. Poucos ouvidos se deleitam com a voz do pavão.
É uma lástima não podermos persuadir todos os ministros a serem homens, pois é difícil ver como doutro modo serão verdadeiros homens de Deus. É igualmente deplorável que não possamos induzir os pregadores a falarem e gesticularem como outras pessoas sensatas, pois lhes será impossível cativar as massas enquanto não o fizerem. Todas as estranhas questões de atitude, entonação e vestuário do barricadas entre nós e o povo. Temos que falar como homens, se queremos ganhar homens. A recente volta ao uso de chapéu na Igreja Anglicana é, por esta razão, bem como por razões mais graves, um passo na direção errada. Há cem anos, o vestuário dos clérigos era quase tão distinto como agora, mas não tinha sentido doutrinário, e não passava de vaidade no vestir, se se deve crer em Lloyd, quanto ao que diz em sua Súplica Métrica em Favor dos Eclesiásticos.
Ele ataca os párocos com muita franqueza e, dentre os restantes, descreve um janota canônico:
“Veja o Nugavã, seus enredos e meneios,
um fantoche de igreja, nada mais que autômato
ordenado. Olhe o seu andar miúdo e tênue.
A religião é creme e capa no seu rosto!
É todo religião, desde a cabeça aos pés!
Os chapeleiros e os barbeiros fazem isto.
Emprega a religião imitando o modista;
é ortodoxa somente em coisas exteriores:
faixas, luvas, anéis, chapéus, batinas, túnicas.
Sinal do seu saber é a touca de doutor,
e prova a sua bondade – porque a roupa é boa.”
Este apego às vestes garbosas levou a uma empertigada nobreza no púlpito. Chamavam-lhe “dignidade”, e se orgulhavam dela. Distinção e decoro eram sua principal preocupação, e estas se mesclavam com pompa ou com ostentação tola e risonha, conforme as peculiaridades de cada criatura, até que os sinceros se cansaram das suas representações ocas, e partiram para longe daquelas ministrações bombásticas. Os pregadores também estavam preocupados demais com sua apresentação à altura para terem qualquer interesse por serem úteis. Não iriam condescender em utilizar os gestos que tornariam as suas palavras um pouco mais inteligíveis, pois, que lhes interessava o vulgar? Se as pessoas de bom gosto ficavam satisfeitas, eles tinham toda a recompensa que desejavam, e enquanto isso as multidões pereciam por falta de conhecimento. Deus nos livre do comportamento fino e das maneiras distintas e gentis, se isto mantém o povo alienado do culto público que a Deus prestamos.
Em nossos dias essa ostentação doentia é muito mais rara, esperamos, mas sobrevive ainda. Tivemos a honra de conhecer um ministro que não podia pregar sem suas luvas de pelica preta. Certa vez, vendo-se sem elas num certo púlpito, desceu e foi à procura delas no gabinete pastoral. Infelizmente, um dos oficiais tinha ido acomodar-se nos bancos levando não só o seu chapéu, como tencionava, mas também o chapéu e as luvas do pregador, e enquanto se descobria isto, o teólogo estava em terrível agitação, exclamando: “Nunca prego sem luvas. Não posso fazê-lo. Não poderei ir ao púlpito enquanto não as achar.” Gostaria que não as tivesse encontrado nunca, pois se daria melhor atrás do balcão de uma loja de confecções do que numa tribuna sacra. Toda sorte de desalinho deve ser evitada por um ministro, mas os dotados de varonilidade caem mais freqüentemente neste erro do que no outro defeito de tipo efeminado. Portanto, façam o máximo para fugir deste erro pior.
Cowper diz: “Aborreço de alma toda afetação.”
Assim deve ser com todos os homens sensatos. Todos os estratagemas e efeitos teatrais são insuportáveis quando se deve transmitir a mensagem do Senhor. É melhor ter vestes rotas e fala tosca, de modo sincero e sem arte, do que o pedantismo clerical. É melhor violar todas as regras da elegância do que ser apenas um intérprete teatral, um ator consumado, um artista num palco. O caricaturista de vinte anos atrás favoreceu-me com o título de Enxofre, e colocou lado a lado comigo um declamador pedante a quem chamou Melado. Fiquei inteiramente satisfeito com a sorte que me tocou, mas não poderia dizer tanto se fosse representado com o retrato do meu companheiro. Melaços e outras substâncias açucaradas me fazem adoecer. Um janota no púlpito faz-me sentir como Jeú quando viu a cabeça enfeitada e o rosto pintado de Jezabel, e gritou indignado: “Lançai-a daí abaixo.”
Eu ficaria muito aborrecido se alguma das minhas observações sobre as atitudes grotescas levasse um de vocês a ensaiar posturas e representações. Isto seria fugir do ruim para o pior. Dissemos que o Dr. Hamilton recebeu aulas de um mestre a fim de livrar-se de sua falta de firmeza, mas ficou evidenciado que o resultado não foi muito animador, e temo seriamente que os mestres profissionais produzem mais males do que curas. Talvez o mesmo resultado decorra da minha tentativa de amador, mas, pelo menos, quero impedir quanto possível aquela desventura com minhas severas advertências. Não pensem em como vão gesticular quando pregarem, mas aprendam a arte de fazer a coisa certa sem dedicar-lhe um pensamento sequer.
Nossa última regra resume todas as outras: sejam naturais em suas atitudes. Fujam até da aparência de gestos estudados. A arte é fria; somente a natureza tem calor. Que a graça os livre de toda falsa aparência e, em todos os movimentos e em todos os lugares sejam autênticos, ainda que tenham que ser considerados rudes e incultos. Que o seu maneirismo seja seu mesmo. Que nunca seja uma polida mentira, ou o arremedo da amabilidade, o fingimento da paixão, a simulação da sensibilidade emotiva, ou a imitação do modo alheio de pregar – o que é na prática uma mentira.
“Foge, pois, de qualquer atitude ou olhar,
e teatral movimento ante o espelho ensaiados.”
Nosso objetivo é remover as excrescências da natureza tosca, não produzir artificialismo e afetação. Queremos podar a árvore; de modo nenhum tencionamos aparelhá-la, dando-lhe forma fixa. Queremos que os nossos estudantes pensem na questão das atitudes no púlpito enquanto estão conosco na escola, para que nunca mais tenham necessidade de pensar nisso posteriormente. A matéria é imponderável demais para fazer parte do seu programa semanal de estudos quando entrarem de fato na luta da vida ministerial. É preciso que atentem para o assunto agora, e de modo cabal.
Vocês não são enviados por Deus para pedir sorrisos, mas para ganhar almas. Seu mestre não é o professor de dança, mas o Espírito Santo, e a maneira de se conduzirem no púlpito só requer um pensamento momentâneo, porque pode estorvar o seu bom êxito levando os ouvintes a fazerem observações sobre o pregador quando o que vocês querem é que todo o pensamento deles esteja centralizado no assunto da pregação. Se a melhor atitude tivesse aquele efeito negativo, eu os exortaria a renegá-la, e se a pior gesticulação impedisse aquele resultado, eu os aconselharia a praticá-la. Tudo que pretendo é recomendar movimentos serenos, delicados, espontâneos, porque têm maior probabilidade de não desviar a atenção.
Toda a questão da entrega da mensagem deve ser una. Tudo deve estar em harmonia. O pensamento, o espírito, a linguagem, a entonação e os movimentos devem constituir uma peça só, visando tudo, não à conquista de honra para nós, mas à glória de Deus e ao bem dos homens. Se for assim, não há por que temer que vocês violem a norma quanto a serem naturais, pois não lhes ocorrerá ser doutro modo. Tenho porém um temor, que é o seguinte: vocês podem cair numa estulta imitação de algum ministro admirado, e isto em alguma extensão os tirará da trilha certa. Cada movimento de um homem deve corresponder a ele e brotar da sua personalidade. O estilo do Dr. Golias, de mais de dois metros de altura, não se adapta à estatura e à personalidade do nosso amigo Baixote, que é um Zaqueu entre os pregadores: Tampouco o maneirismo de um idoso e venerando teólogo serve para o jovem Apolo, mal saído da adolescência.
Ouvi dizer que durante bom tempo muitos jovens ministros congregacionais imitaram o pastor que pregava na Capela de Weigh House, em Londres, e assim havia pequenos Binney por toda parte copiando o grande Thomas em tudo, menos em sua pregação impregnada de pensamento. Corre o boato de que há por aí um ou dois jovens Spurgeon. Se é assim, espero que a referência seja aos meus dois filhos, que têm direito ao nome por nascimento. Se alguns de vocês vierem a ser copistas de mim, vou considerá-los espinhos na carne, e os classificarei entre aqueles que, como Paulo diz, “suportamos alegremente.”
Contudo, tem-se dito com sabedoria que todo principiante deve necessariamente ser imitador por algum tempo. O artista segue o seu mestre enquanto adquire com simplicidade os rudimentos da arte, e talvez continue sendo a vida toda um pintor da escola à qual se ligara no princípio. Mas, conforme vai ganhando proficiência, desenvolve a sua individualidade, chega a ser um pintor com seu próprio estilo – e lhe foi melhor, e nem um pouco ruim, que nos seus primeiros dias se contentasse em sentar-se aos pés de um mestre.
Acontece necessariamente a mesma coisa na oratória. Portanto, pode ser demasiado dizer: nunca imitem ninguém; mas talvez seja melhor exortá-los a imitarem a melhor atitude que possam encontrar, a fim de que o estilo de cada um de vocês, durante a sua formação, seja modelado corretamente. Corrijam a influência de qualquer pessoa com aquilo que vejam de excelente em outras. Todavia, tratem de criar o seu próprio modo de se conduzir. Imitação servil é prática de macaco, mas seguir outro por onde ele conduz direito, e somente ali, é sabedoria do homem prudente. Nunca, porém, deixem que a originalidade natural seja malograda por sua imitação dos melhores modelos da antigüidade ou dos mais apreciados dentre os modernos.
Em conclusão, não permitam que as minhas críticas a várias posturas e movimentações grotescas os persigam no púlpito. Seria melhor praticá-las todas do que ficar com medo, pois isto os faria acanhados mentais e desajustados. Lancem-se a isso, quer seja asneira, quer não. Nesta matéria, poucos erros conterão a metade do mal que existe no erro do nervosismo. Pode acontecer que, o que seria excêntrico em outrem, seja muitíssimo apropriado em você. Daí, não tome o dito de qualquer pessoa como aplicável a todos os casos, nem ao seu mesmo. Você vê como John Knox é retratado na bem conhecida gravura. Sua postura é elegante? Talvez não. Todavia, não é exatamente o que devia ser? Poderá achar algum defeito nela? Não é parecida com Knox, e repleta de poder? Não se enquadraria bem num homem dentre cada cinqüenta. Na maioria dos pregadores pareceria forçada, mas no grande reformador é característica, e combina com a obra que lhe absorveu a vida. Você deve recordar a pessoa, os tempos e as circunstâncias, e então o maneirismo passa a ser visto transformado num pregador e herói enviado para realizar a obra de um Elias e a proclamar as suas admoestações na presença de uma corte papista que odiava as reformas que ele exigia.
Seja você mesmo, como Knox foi ele próprio. Ainda que tenha que ser rude e desajeitado, seja você mesmo. Suas roupas, embora de confecção caseira, servem-lhe melhor do que as de outro homem, mesmo que estas sejam feitas da melhor fazenda. Se quiser, poderá seguir a moda do vestuário do seu preceptor, mas não tome emprestado o casaco dele. Contente-se com um que seja seu mesmo.
Acima de tudo, seja tão cheio de interesse, fervoroso e gentil, que os ouvintes liguem pouco para o modo como você veicula a palavra, pois, se perceberem que ela é recém-chegada do Céu, e a acharem agradável e abundante, terão em pequena monta o cesto em que lhes é trazida. Deixe que digam, se lhes aprouver, que a sua presença física é fraca, mas ore no sentido de que confessem que o seu testemunho tem peso e poder. Encomende-se à consciência de cada pessoa, à vista de Deus, e então a simples questão das essências da postura raramente será levada em conta.
* Plêiades. Mitologia: sete filhas de Atlas, foram transformadas em estrelas. Daí o nome da constelação das Plêiades ou do Sete-estrelo, mencionada em Jó 38:31. Deu-se também o titulo de Plêiades a sete poetas da antigüidade. Nota do Tradutor.