A VOZ – Teologia Pastoral
Nossa primeira regra quanto à voz seria – não pensem muito nisso, pois, conseguir a voz mais agradável nada é, se não houver algo que dizer, e por melhor que seja a utilização dela, será como uma carruagem bem dirigida, vazia no seu interior, a menos que vocês transmitam por meio dela verdades importantes e oportunas a seu povo. Sem dúvida Demóstenes estava certo atribuindo um primeiro, segundo e um terceiro lugar à boa transmissão; mas que valor terá, se o homem não tiver nada para transmitir?
O homem dotado de voz inexcedivelmente excelente, mas destituído de cabeça bem informada e de coração fervoroso, será “uma voz que clama no deserto”, ou, para usar a expressão de Plutarco, “Vox et praeterea nihil” (Voz, e nada mais). Tal homem pode brilhar no coro, mas é inútil no púlpito. A voz de Whitefield, sem o poder do coração, não teria deixado sobre os seus ouvintes efeitos mais duradouros do que os do violino de Paganini. Irmãos, vocês não são cantores, mas pregadores; sua voz é de secundária importância; não se envaideçam com ela, nem se lamentem como se fossem inválidos por causa dela, como tantos o fazem. Uma trombeta não precisa ser feita de prata; um chifre de carneiro basta. É preciso, porém, que agüente rude uso, pois as trombetas são para os conflitos bélicos, não para os salões de recepção da moda.
Por outro lado, não subestimem demais as suas vozes, pois a qualidade excelente delas contribui grandemente para conduzir ao resultado que vocês esperam produzir. Confessando o poder da eloqüência, Platão menciona o tom de voz do orador. “Tão poderosamente”, diz ele, “a elocução e o tom do orador repercutem em meus ouvidos, que dificilmente lá pelo terceiro ou quarto dia caio em mim, percebendo em que ponto da terra estou; e por algum tempo fico querendo acreditar que estou vivendo nas ilhas dos bem-aventurados.”
Verdades sumamente preciosas podem ser grandemente maculadas por serem transmitidas em tom monótono. Uma vez ouvi um ministro muito estimado, mas que zumbia tristemente, como “uma humilde abelha num jarro” – metáfora vulgar, sem dúvida, mas que oferece descrição tão exata que traz à minha mente neste instante, e de modo bem destacado, o som do zunido, e me faz lembrar a paródia da Elegia, de Gray:
“Da vista o tênue tema já se esvai,
e dormente quietude o ar retém,
salvo onde o cura voa e a zumbir vai
fazendo o seu rebanho dormir bem”.
Que lástima, um homem transmitir do coração doutrinas de indubitável valor, em linguagem a mais apropriada, e cometer suicídio harpejando numa corda só, quando o Senhor lhe deu um instrumento de muitas cordas para tocar! Ah! aquela voz enfadonha! Zumbia e zumbia, como uma roda de moinho, sempre no mesmo tom nada musical, quer seu dono falasse do céu quer falasse do inferno, da vida eterna ou da ira perpétua. Podia ficar, por acidente, um pouco mais alta ou mais suave, conforme o comprimento da frase, mas o tom era sempre o mesmo, uma cansativa vastidão de som, um uivante deserto de linguagem falada em que não havia alívio possível, nem variação, nem musicalidade nada, senão uma horrível mesmice.
Quando o vento sopra através da harpa eólia, ele ondula em suas vibrações através de todas as cordas, mas o vento celestial, passando por alguns homens, desgasta-se numa corda só, e isso, na maior parte, tremendamente fora da harmonia do todo. Somente a graça poderia capacitar os ouvintes a edificar-se debaixo do tantã de alguns ministros. Creio que um júri imparcial daria um veredicto de sono justificável em muitos casos em que o som proveniente do pregador acalenta os ouvintes, fazendo-os dormir com a sua nota sempre repetida. O Dr. Guthrie caridosamente atribui o sono dos dorminhocos de certa igreja escocesa à má ventilação do local de reuniões; este fator tem algo que ver com isso, mas a má condição das válvulas da garganta do pregador talvez seja uma causa mais poderosa ainda. Irmãos, em nome de tudo que é sagrado, toquem todo o carrilhão do seu campanário, e não importunem o seu público com o blim-blem-blom de um pobre sino rachado.
Quando derem atenção à voz, tenham o cuidado de não caírem nos maneirismos habituais e comuns dos dias atuais. Raramente um homem em doze no púlpito, fala como homem varonil. Estes maneirismos enfatuados não se restringem aos protestantes, pois o abade Mullois observa, “em todos os demais lugares, os homens falam; falam no balcão e na tribuna. Já no púlpito, porém, não falam, pois ali só encontramos linguagem fictícia e artificial, e tons falsos. Este estilo de falar só se tolera na igreja porque, infelizmente, está por demais generalizado ali; em nenhum outro lugar seria tolerado. Que se pensaria de um homem que conversasse daquela maneira numa sala de visitas? Certamente provocaria muitos sorrisos.
Há algum tempo havia um guarda do Panteão – bom sujeito a seu modo – que, ao enumerar as belezas do monumento, adotava precisamente o tom de muitos de nossos pregadores, pelo que nunca deixou de provocar a hilaridade dos visitantes, que tanto se divertiam com o seu modo de falar, como com os objetos de interesse que ele lhes mostrava. O homem que não faz transmissão natural e genuína, não deveria ter a permissão de ocupar o púlpito. Pelo menos dali, tudo que é falso deveria ser banido sumariamente.
Nestes tempos de desconfiança, tudo que é falso deveria ser posto de lado; e o melhor modo pelo qual a gente pode corrigir-se nesse aspecto, quanto à pregação, é ouvir muitas vezes a certos pregadores monótonos ou apaixonados. Sairemos com tanto desgosto e com tanto horror da sua apresentação, que preferiremos reduzir-nos ao silêncio, a imitá-los. No momento em que você abandona o natural e o genuíno, perde o direito de ser crido, bem como o direito de ser ouvido.
Irmãos, vocês podem andar por aí, visitando igrejas e congregações, e verão que a imensa maioria dos nossos pregadores tem um tom de voz santo para os domingos. Tem uma voz para a sala de visitas e para o quarto de dormir, e outro tom completamente diverso para o púlpito, de sorte que, se não são dúplices, de língua pecaminosamente, são-no por certo literalmente. No momento em que alguns homens cerram a porta do púlpito, deixam para trás a sua varonilidade pessoal, e se tornam tão formais quanto o porteiro da comunidade. Quase que poderiam gabar-se com o fariseu de que não são como os demais homens, conquanto seria blasfêmia dar graças a Deus por isso. Deixam de ser carne e osso, já não falam como homens, mas adotam um ganido, um roto gaguejar, um ore rotundo (boca redonda) ou algum outro modo desgracioso de fazer barulho, tudo isso para impedir toda suspeita de que não estão sendo naturais e não estão falando do que está cheio o seu coração. Quando é posta a veste sacral, quantas vezes fica patente que ela é a mortalha do verdadeiro homem, e o efeminado emblema do formalismo!
Há dois ou três modos de falar que ouso dizer que vocês reconhecerão tê-los ouvido muitas vezes. Aquele estilo engrandecido, doutoral, inflado, bombástico, que há pouco chamei de ore rotundo, não é tão comum agora como costumava ser, mas ainda é admirado por alguns. (Desafortunadamente, não se pode representar o preletor aqui com nenhuma forma de letra de imprensa conhecida, quando se pôs a ler um hino com voz grandiosa, ondulante e empolada.)
Quando um respeitável cavalheiro estava certa vez soprando vapor desse jeito, um homem no corredor da igreja disse que pensava que o pregador “tinha engolido um bolinho quente”, mas outro cochichou: “Não, Jack, não foi isso: ele tragou um diabinho”. Posso imaginar o Dr. Johnson falando desse modo em Bolt Court; e de homens aos quais esse estilo é natural, sai com grandiosidade olímpica; mas no púlpito, fora com toda imitação dele, para sempre! Se vem naturalmente, muito bem e muito bom, mas imitá-lo é trair a decência comum. Na verdade, no púlpito, toda imitação é parente chegado de um pecado imperdoável.
Há outro estilo do qual lhes rogo que não achem engraçado. É o método de enunciação que se diz ser muito feminilmente elegante, adocicado, delicado, tipo criadinha de salão, fútil. Opaco e enfadonho, não sei como descrevê-lo melhor. A maioria de nós já teve a infelicidade de ouvir estas ou algumas outras espécies do amplo gênero de falsetes, maneirismos e altos vôos bombásticos. Ouvi-as nas mais diversas variedades, desde as formas recheadas à Johnson, até a rala magreza do frágil e gentil sussurro; desde o urro dos touros de Basã até o tip, tip, tip do tentilhão. Pude seguir a pista de alguns deles até os seus antepassados (refiro-me aos seus antepassados ministeriais) de quem recolheram originalmente estes modos seráficos de falar, melodiosos, santificados, belos em todos os aspectos – mas, devo acrescentar honestamente, detestáveis! A indubitável ordem do registro genealógico da sua oratória é como se segue: Soquinho, que era filho de Gaguejo, que era filho de Sorrisinho, que era filho de Dândi, que era filho de Maneirismo; ou Rebolante, que era filho de Pomposa, que era filho de Ostentação – de muitos filhos o pai era o mesmo.
Entendam, até onde esses horrores de som sejam naturais, não os condeno – fale cada criatura em sua própria língua. Mas o fato é que em nove de cada dez casos, estes dialetos sagrados, que espero logo hão de ser línguas mortas, são inaturais e forçados. Estou persuadido de que esses tons, semitons e “monotons” são babilônicos, e absolutamente não pertencem ao dialeto de Jerusalém, pois o dialeto de Jerusalém tem a sua característica distintiva, que é o modo de falar próprio do homem, e esse modo é o mesmo, fora do púlpito e dentro dele. O nosso amigo da sofisticada escola do ore rotundo nunca foi visto falando fora do púlpito como o faz estando nele, ou falando na sala de visitas no mesmo tom que emprega no púlpito: “Você terá a bondade de me servir outra chávena de chá? Usarei açúcar, se isto lhe aprouver”. Far-se-ia ridículo se agisse assim, mas o púlpito há de ser favorecido com a escória da sua voz, que a sala de visitas não toleraria.
Sustento que as melhores notas de que a voz de um homem é capaz deveriam ser dedicadas à proclamação do evangelho, e são precisamente as que a natureza lhe ensina a usar numa conversação séria. Ezequiel servia a seu Senhor com as suas faculdades mais musicais e melodiosos, de modo que Deus lhe disse: “E eis que tu és para eles como uma canção de amores, canção de quem tem voz suave, e que bem tange”. Ah! isso de nada valeu, porém, para o duro coração de Israel, pois nada lhe valerá exceto o Espírito de Deus; todavia, assentou bem ao profeta proclamar a Palavra do Senhor no melhor estilo de voz e de modos.
Prosseguindo, se vocês têm quaisquer idiossincrasias no falar, desagradáveis ao ouvido, corrijam-nas, se possível. 1 Admite-se que é mais fácil ao professor sugerir-lhes isto do que a vocês praticá-lo. Entretanto, para os jovens que se acham no alvor do seu ministério, a dificuldade não é insuperável. Irmãos oriundos da zona rural têm na boca o sabor do seu rústico regime de vida, lembrando-nos irresistivelmente os novilhos de Essex, os leitões de Berkshire ou os animais anões de Suffolk. Quem poderá deixar de reconhecer os dialetos de Yorkshire e Somersetshire, que não são apenas pronúncias regionais, mas entonações regionais também? Seria difícil descobrir a causa, mas o fato bastante claro é que em alguns condados da Inglaterra as gargantas dos homens parecem cobertas de pigarro, como chaleiras usadas durante muito tempo, e noutros elas soam como música de um instrumento de latão, com defeituoso som metálico. Estas variações da natureza podem ser belas em sua ocasião e lugar, mas o meu gosto nunca pode apreciá-las. Do agudo e dissonante chiado, como o de uma tesoura enferrujada, livremo-nos a todo risco.
A mesma coisa a fala inarticulada e densa em que nenhuma palavra é pronunciada completamente, mas os substantivos, os adjetivos e os verbos viram uma espécie de picadinho. Igualmente objetável é aquela maneira fantasmagórica de falar em que a pessoa fala sem mover os lábios, no mais horrível ventriloqüismo; tons sepulcrais podem servir para levar alguém a tornar-se agente funerário, mas não se chama Lázaro para fora do túmulo com gemidos surdos. Um dos meios mais seguros de você matar-se é falar da garganta, e não da boca. Este uso errôneo da natureza será vingado terrivelmente por ela; fujam da pena evitando a ofensa.
Talvez seja bom neste ponto concitá-los a que, tão logo se dêem conta de que estão gaguejando muito durante um discurso, tratem de expurgar de uma vez o insinuante, mas ruinoso hábito. Não há nenhuma necessidade dele e, embora os que agora são suas vítimas talvez nunca possam romper as cadeias, vocês, principiantes na oratória, podem desprezar esse exasperante jugo. É até preciso dizer, abram a boca quando falam, pois muito resmungo desarticulado resulta de se manter a boca meio fechada. Não é à toa que os evangelistas escreveram a respeito de nosso Senhor: “E, abrindo a sua boca, os ensinava”. Abram bem as portas pelas quais há de sair marchando tão benéfica verdade! Além disso, irmãos, evitem o emprego do nariz como órgão da expressão oral, pois as melhores autoridades concordam que a função que lhe cabe é a de cheirar. Tempo houve em que era correto falar fanhoso, mas nesta era degenerada farão melhor em obedecer à evidente sugestão da natureza, deixando que a boca faça o seu trabalho sem interferência do aparelho olfativo. Se estiver presente um estudante americano, terá que me escusar por salientar esse ponto para chamar-lhe a atenção.
Detestem também a prática de alguns que não pronunciam a letra “r”. Esse hábito é “deveuas uinoso e uidículo, deveuas uepugnante e uepuensível”. Ocasionalmente um irmão tem a ventura de possuir um cativante e delicioso balbucio. Talvez esteja entre os menores males, quando o próprio pregador é franzino e simpático, mas arruinaria a todo aquele que visasse à virilidade e ao poder. Mal posso imaginar Elias gaguejando a Acabe, ou Paulo graciosamente entrecortando as suas palavras na Colina de Marte.
Pode haver algo peculiarmente patético em olhos fracos e lacrimejantes, bem como num estilo titubeante; iremos mais longe, admitindo que, quando essas coisas decorrem de intensa paixão, são sublimes. Alguns, porém, as possuem de nascimento, e as utilizam com excessiva liberdade. Para dizer o mínimo, vocês não têm por que imitá-los. Falem como a natureza educada lhes sugerir, e farão bem; mas que seja a natureza educada, não a crua, rude e sem cultivo.
Como sabem, Demóstenes trabalhava a duras penas com a sua voz, e Cícero, fraco por natureza, fez longa viagem à Grécia para corrigir o seu modo de falar. Tendo nós temas muito mais nobres, não tenhamos menor ambição pela excelência. “Privem-se de tudo mais”, diz Gregório de Nazianzeno, “mas, deixem-me a eloqüência, e nunca deplorarei as viagens que fiz para estudá-la.” .
Falem sempre de maneira que sejam ouvidos. Conheço um homem de peso enorme, e que deveria poder ser ouvido a quase um quilômetro, mas é tão insipidamente indolente que em seu pequeno local de culto você mal pode ouvi-lo da parte da frente da galeria. Que utilidade tem um pregador que os homens não conseguem ouvir? A modéstia deveria levar o homem sem voz a dar seu lugar a outros mais bem dotados para a obra de proclamar as mensagens do Rei. Alguns falam bastante alto, mas sem clareza; suas palavras se sobrepõem umas às outras, ou brincam de pular sela, ou passam rasteira umas nas outras.
Falar de maneira clara e definida é mais importante do que ter muito fôlego. Dê boa oportunidade a uma palavra; não quebre as costas dela com a sua veemência, nem lhe arranque as pernas em sua pressa. É odioso ouvir um grandalhão murmurar e sussurrar quando os seus pulmões são bastante fortes para possibilitar-lhe falar bem alto. Mas, ao mesmo tempo, ainda que o pregador sempre grite vigorosamente, não será bem ouvido se não aprender a lançar para frente as suas palavras com o devido espaço entre elas.
Falar muito devagar é serviço miserável, e sujeita os ouvintes mentalmente ágeis à doença chamada “horrores”. É impossível ouvir um homem que rasteja a um quilômetro por hora. Uma palavra hoje, outra amanhã, é uma espécie de fogo lento de que somente os mártires poderiam gostar. Falar depressa demais, com violência e furor que resultam numa linguagem completamente bombástica, não tem desculpa alguma. Não tem, nem nunca poderá ter poder, exceto para os idiotas, pois transforma numa turbamulta o que deveria ser um exército de palavras, e terá a máxima eficiência em afogar os sentidos em torrentes de som. Ocasionalmente se ouve um enfurecido orador de fala indistinta, cuja impetuosidade o precipita a uma tal confusão de sons, que logo a gente se lembra dos versos de Lucan:
“Sua língua mole um tom murmurante confunde,
dissonante e diverso dos humanos sons;
lembra o latir dos cães ou o uivar dos lobos,
o soturno piar do mocho á meia-noite;
das cobras o silvar, do leão o “rugir,
das ondas o entrechoque, a esbater-se na praia;
o gemido do vento na frondosa mata
e o espocar do trovão na lacerada nuvem.
Todas estas coisas numa só”.
É castigo que não dá para agüentar duas vezes, ouvir quem confunde transpiração com inspiração, e dispara como um cavalo selvagem como um vespão no ouvido, até perder o fôlego, só fazendo pausa para encher de novo os pulmões. A repetição desta indecência várias vezes num sermão não é incomum, mas é muito penosa; pausa feita a cada passo, para impedir aquele “ufa, ufa” que produz mais piedade pelo orador ofegante do que simpatia pelo assunto tratado. Nossos ouvintes nem devem perceber que respiramos. O processo de respiração deve passar tão despercebido como a circulação do sangue. Não fica bem deixar que a simples função animal de inspirar e expirar ocasione algum hiato em nosso discurso.
Não forcem a voz ao máximo na pregação comum. Dois ou três varões fervorosos aqui presentes andam fazendo-se em pedaços com seus berros desnecessários; os seus pobres pulmões estão irritados, e suas laringes estão inflamadas, por causa dos seus furiosos gritos, que parecem incapazes de reprimir. Ora, está muito bem atender à exortação: “Clama em alta voz, não te detenhas”, mas o conselho apostólico é: “Não te faças nenhum mal.” Quando as pessoas podem ouvi-lo com a metade da voz, é bom economizar a força excedente para as ocasiões em que seja necessária. “Não gastes demais; falta não terás”, pode aplicar-se aqui como em qualquer outra parte. Sejam econômicos com esse enorme volume de som. Não dêem aos seus ouvintes dor de cabeça, quando o desejo é dar-lhes dor de coração. A intenção é impedir que durmam nos bancos, mas, lembrem-se de que não é preciso estourar os tímpanos deles. “O Senhor não estava no vento.” Trovão não é raio. Os homens não ouvem na proporção do barulho produzido; na verdade, barulho demais ensurdece a gente, cria repercussões e ecos, e efetivamente prejudica o poder dos seus sermões. Adaptem suas vozes ao auditório; quando vinte mil estão diante de vocês, abram os registros e estrondem com todo o vigor, mas não num recinto em que cabem apenas uma vintena ou duas.
Sempre que entro num lugar para pregar, inconscientemente calculo quanto som é necessário para enchê-lo, e depois de uma poucas frases, a minha tonalidade já está ajustada. Se puderem fazer o homem que está no outro extremo do templo ouvir, se puderem ver que ele está captando o seu pensamento, poderão estar seguros de que os que estão mais perto podem ouvi-los, e não será necessário pôr mais força – talvez seja bom diminuí-la um pouco. Experimentem e vejam. Por que falar de modo que seja ouvido na rua, quando lá não há ninguém para ouvir? Seja um recinto fechado, seja ao ar livre, vejam que os mais distantes ouvintes possam acompanhá-los, e isto será suficiente.
A propósito, devo observar que os irmãos deveriam, por misericórdia dos enfermos, atentar sempre com muito cuidado para a força das suas vozes nos quartos de doentes e nas igrejas em que se sabe que alguns estão muito fracos. É cruel sentar-se ao pés do leito de um enfermo e gritar: “O SENHOR É O MEU PASTOR: NADA ME FALTARÁ”. Se vocês agirem impensadamente assim, o pobre homem dirá logo que tiverem descido as escadas: “Ai !Ai! Como me dói a cabeça! Alegra-me que o homem tenha ido embora, Mary; esse salmo é muito precioso e parece tão tranqüilo, mas ele o leu como raios e trovões, e quase me deixou surdo!” Lembrem-se vocês, irmãos mais jovens e solteiros, que suaves sussurros servirão melhor ao desvalido do que o rufar de tambores e o estampido de trabucos.
Observem cuidadosamente a regra que manda variar a intensidade da voz. A velha regra era: comece de modo bem suave, vá subindo o tom gradativamente, e no fim produza as suas notas mais altas. Que esses regulamentos sejam estourados à boca do canhão; são inoportunos e enganosos. Falem baixo ou alto, conforme a emoção do momento lhes sugira, e não observem normas artificiais e fantasiosas. Regras artificiais são uma abominação total. Como M. de Cormorin satiricamente o coloca: “Seja apaixonado, troveje, entusiasme-se, chore, até à quinta palavra da terceira frase do décimo parágrafo da folha dez. Como seria fácil! Sobretudo, quão espontâneo!”
Imitando um pregador popular, a quem isto era inevitável, certo ministro se acostumou a falar em tão baixa tonalidade, que ninguém conseguia ouvi-lo. Todos se inclinavam para diante, temendo que algo importante se estivesse perdendo no ar, mas o esforço era vão; um santo sussurro era tudo que podiam discernir. Se o irmão não fosse capaz de falar, ninguém o teria acusado, mas era a coisa mais absurda fazer o que fazia quando em curto lapso de tempo provava o poder dos seus pulmões enchendo o edifício de sonoras frases. Se a primeira parte do seu discurso não era importante, por que não omiti-la? Se tinha algum valor, por que não apresentá-la audivelmente?
Efeito, cavalheiros, era o fim que tinha em vista. Ele sabia que alguém que falava daquele modo tinha produzido efeitos grandiosos, e esperava rivalizar com ele. Se algum de vocês ousar cometer tal loucura com o mesmo objetivo detestável, de coração eu preferiria que essa pessoa nunca tivesse entrado nesta instituição. Digo-lhes com a maior seriedade que essa coisa chamada “efeito” é odiosa porque é falsa, artificial e ardilosa manha, e, portanto, é desprezível. Nunca façam nada para obter efeito, mas desprezem os estratagemas das mentes estreitas que andam em busca da aprovação dos peritos em pregação que constituem uma raça tão odiosa para o verdadeiro ministro como os gafanhotos para o lavrador oriental. Mas estou fazendo digressão; sejam claros e definidamente audíveis logo no início.
Os seus exórdios são bons demais para serem cochichados para o espaço. Apresentem-nos com ousadia e conquistem a atenção desde o começo com a sua entonação máscula. Não partam do ponto mais alto, como regra geral, pois não conseguirá mais quando estiver aquecido com o trabalho; todavia, falem com clareza desde as primeiras palavras. Abaixem a voz, quando isso for pertinente, reduzindo-a até a um sussurro, pois as expressões orais suaves, deliberadas e solenes não somente dão alívio aos ouvidos, mas também são grandemente aptas para atingir o coração. Não tenham medo de tonalidades baixas, pois, se lhes imprimirem força, serão tão ouvidas como os gritos. Vocês não precisam falar em alta voz a fim de serem ouvidos bem.
De William Pitt diz Macaulay: “Sua voz, mesmo quando afundava até tornar-se um sussurro, era ouvida até nos mais distantes bancos da Casa dos Comuns”. Tem-se dito que não é a arma de fogo mais ruidosa que atira mais longe a bala; o estampido de um rifle é tudo, menos barulhento. Não é a altura da sua voz que é eficiente, mas a força que você lhe dá. Estou certo de que poderia sussurrar e ser ouvido em todos os cantos do nosso grande Tabernáculo, e, igualmente, estou certo de que poderia gritar e berrar de um jeito que ninguém poderia compreender-me. A coisa poderia ser feita aqui, mas talvez seja desnecessário o exemplo, pois receio que alguns de vocês são capazes de fazer isso com notável sucesso. As ondas de ar podem chocar-se com os ouvidos em tão rápida sucessão que nenhuma impressão compreensível causam ao nervo auditivo. A tinta é necessária para a escrita, mas se você derramar o tinteiro numa folha de papel, não transmitirá com isso nada que tenha algum significado. Assim é com o som. O som é a tinta, mas, requer-se manejo – não quantidade – para produzir uma escrita inteligível para o ouvido. Se a sua única ambição for competir com –
“Estentor o forte,
com pulmões de bronze,
sobrepuja, e longe,
o poder enorme de cinqüenta línguas”,
então, berre para o Elísio tão rapidamente quanto possível, mas se quiser ser compreendido e, assim, ser útil, evite a crítica de que é “fraco e barulhento”.
Vocês sabem, irmãos, que os sons estridentes vão longe; o singular grito usado pelos viajores nas regiões agrestes da Austrália deve o seu extraordinário poder à sua estridência. Ouve-se de muito mais longe um sino do que um tambor; e, muito singularmente, quanto mais musical for um som, maior será o seu raio de alcance. Não é preciso dar murros no piano, mas extrair o judicioso som, dos melhores registros. Portanto, vocês se sentirão em liberdade para abrandar o tom muitas vezes quanto ao volume, e estarão dando grande alívio, tanto aos ouvidos dos ouvintes como aos seus próprios pulmões. Experimentem todos os métodos, desde o do malho até o do suave veludo. Irmãos, sejam gentis como o zéfiro e furiosos como um furacão. Sejam, na verdade, justamente o que toda pessoa de bom senso é em seu falar quando conversa naturalmente, intercede veementemente, sussurra confidencial, apela sentidamente, ou proclama com clareza.
Depois da moderação da força dos pulmões, eu coloria a regra – modulem os tons da voz. Alterem a tonalidade com freqüência e variem a intensidade do som constantemente. Dêem oportunidade ao baixo, ao soprano e ao tenor. Rogo-lhes que façam isso por piedade de si mesmos e dos que os ouvem. Deus tem pena de nós e arranja as coisas de modo que satisfaçam ao anseio por variação; tenhamos pena dos nossos semelhantes, e não os importunemos com o tédio da mesmice. É uma grande barbaridade infligir aos tímpanos de uma pobre criatura humana a angústia de ser como perfurados por broca ou verruma do mesmo som durante meia hora. Que meio mais rápido de tornar a mente idiota ou lunática poder-se-ia conceber do que o perpétuo zumbido de uma abelha, ou o zunido de uma mosca varejeira no órgão da audição? Que desculpa teríamos pela qual deveríamos ser tolerados em tanta crueldade para com as desamparadas vítimas que se assentam sob as ministrações do tantã do nosso tambor?
Muitas vezes a bondosa natureza poupa as infelizes vítimas do zunido do pleno efeito das nossas torturas, fazendo-as mergulhar num suave repouso. Contudo, não é isto que vocês querem; então falem com variações na voz. Quão poucos ministros se lembram de que a monotonia dá sono. Receio que a denúncia feita por um escritor na Review Imperial seja literalmente válida quanto a numerosos irmãos meus.
“Sabemos todos como o ruído de água corrente, ou o murmúrio do mar, ou os suspiros do vento sul entre os pinheiros, ou os queixumes dos pombos do mato induzem a um delicioso e sonolento langor. Longe de nós dizer que a voz de um clérigo moderno se parece, no mínimo grau, com qualquer desses suaves sons; todavia, o efeito é o mesmo, e poucos podem resistir às letárgicas influências de uma longa dissertação feita sem a mais ligeira variação de tom ou alteração da expressão.”
De fato, o uso muito excepcional da frase, “um discurso que desperta”, mesmo por aqueles que mais conhecem do assunto, traz consigo a implicação de que a grande maioria das arengas de púlpito é de tendência decididamente soporífera. É um grave mal quando o pregador
“Deixa os ouvintes perplexos –
entre os dois, que decidir:
“Vigiai e orai” diz o texto,
e o sermão diz, “a dormir!”
Por mais musical que uma voz possa ser em si mesma, se vocês continuarem tocando perpetuamente na mesma corda, os seus ouvintes irão sentir que as suas notas, pela distância que percorrem, vão ficando mais suaves. Em nome da humanidade, parem de entoar assim e passem a falar racionalmente. Se este conselho não conseguir mudá-los, tenho tanto zelo neste ponto que, se vocês não seguirem o meu conselho por dó dos seus ouvintes, fá-lo-ão por dó de si próprios, pois, como a Deus em Sua infinita sabedoria sempre aprouve aplicar uma penalidade a todo pecado contra as Suas leis naturais, bem como contra as morais, assim o mal da monotonia é freqüentemente vingado mediante aquela perigosa doença chamada dysphonia clericorum, ou seja, “disfonia dos clérigos”.
Quando certos irmãos nossos são tão amados por seus ouvintes que não se opõem a pagar uma bela soma para livrar-se deles por alguns meses, quando uma viagem a Jerusalém é recomendada e providenciada, a bronquite de diferente ordem é tão extraordinariamente dirigida para o bem, que o meu presente argumento não perturbará a sua equanimidade. Mas não é a sorte que nos cabe; bronquite para nós significa miséria de verdade e, portanto, para evitá-la deveríamos seguir quaisquer sugestões sensatas. Se vocês quiserem estragar as suas gargantas, poderão fazê-lo depressa, mas, se quiserem conservá-las, notem bem o que terão agora diante de si.
Muitas vezes nesta sala comparei a voz com um tambor. Se o tamborileiro bater sempre no mesmo lugar, a pele se gastará logo e se abrirá um buraco ali; mas, quanto mais tempo duraria se tivesse variado os golpes e tivesse usado a superfície inteira da pele de percussão do tambor! Assim, é com a voz humana. Se usarem sempre o mesmo tom, acabarão abrindo um buraco na parte da garganta mais exercitada na produção daquela monotonia, e em pouco tempo estarão sofrendo de bronquite. Tenho ouvido cirurgiões afirmarem que a bronquite dos dissidentes difere da que a Igreja da Inglaterra apresenta. Existe uma fala eclesiástica fanhosa muito admirada na igreja oficial, uma espécie de grandeza de campanário na garganta, um linguajar declamatório e um retumbar de palavras aristocrático, teológico, clerical, supranatural, sub-humano.
Pode-se ilustrar com os seguintes espécimes: “A lei nos serviu de aio”, descrevendo comparativamente o pregador as virtudes do alho aplicadas à lei. Notável, senão impressionante, compreensão e aplicação de um texto da Escritura! Quem não conhece aquela santa maneira de pronunciar – “Caríssimamente amados irmãos, a Escritura nos comove em diversos lugares”? Repica em meus ouvidos como o Big Ben – a par com juvenis lembranças de monótonos repiques de “O príncipe Albert, Albert, príncipe de Gales, e toda a família Real. … Amém”. Ora, se o homem que fala com tanta falta de naturalidade não pegar bronquite ou alguma outra doença, só posso dizer que as doenças de garganta devem ser soberanamente distribuídas. Nas manias de linguagem dos não-conformistas já dei um golpe, e acredito que é por causa delas que laringe e pulmões se debilitam, e os homens sucumbem, reduzindo-se ao silêncio e indo parar no túmulo.
Irmãos, se vocês quiserem saber no que me baseio para apoiar a ameaça que lhes fiz, passo-lhes a opinião do Sr. Macready, o eminente autor trágico, que merece ser ouvido respeitosamente porquanto olha a questão de um ponto de vista não parcial, mas experimental.
“Garganta distensa em geral não resulta tanto de exercitar o órgão como da qualidade do exercício; isto é, não é tanto por falar muito tempo ou por falar alto, como por falar com voz simulada. Receio não ser compreendido nesta afirmação, mas suponho que não há uma pessoa em dez mil que, ao dirigir-se a um grupo de ouvintes, empregue a sua voz natural; e este hábito é mais especialmente observável no púlpito. Creio que a distensão da garganta é causada por violentos esforços feitos naqueles tons artificiais, e que a irritação grave, e muitas vezes a ulceração, é a conseqüência.
“O trabalho requerido pelos deveres de uma igreja num dia inteiro não é nada, no que diz respeito ao trabalho propriamente dito, comparado com a realização artística de um dos principais personagens de Shakespeare, e suponho que também nada é, comparado com qualquer das grandes exibições feitas pelos nossos principais estadistas nas Casas do Parlamento. E me sinto seguro de que o desarranjo que chamam de “mal de garganta de pregador” geralmente se pode atribuir ao modo de falar, e não à extensão do tempo ou à violência do esforço que se empregue. Vi vários veteranos contemporâneos de palco ficarem sofrendo da garganta, mas não creio que se pudesse considerar essa doença como predominante entre os elementos eminentes dessa arte.”
Os atores e os jurisconsultos têm muita ocasião para forçar as suas energias vocais. Contudo, não existe uma coisa chamada mal de garganta de tribunal, ou bronquite de ator trágico; simplesmente porque esses homens não se atrevem a servir o público da maneira tão desmazelada como alguns pregadores servem a seu Deus. O excelentíssimo senhor doutor Samuel Fenwick, num tratado popular sobre “Doenças da Garganta e dos Pulmões”, diz com a maior sabedoria:
“Do que se afirmou a respeito da fisiologia das cordas vocais, ficará evidente que falar continuadamente no mesmo tom é muito mais fatigante do que se fazerem freqüentes alterações na intensidade da voz, porque, no primeiro caso, força-se um só músculo ou um só conjunto de músculos, ao passo que no segundo, diferentes músculos são postos em ação, e assim dão-se descanso uns aos outros. Do mesmo modo, levantar o braço em ângulo reto em relação ao corpo cansa-nos em cinco ou dez minutos, porque somente um conjunto de músculos tem que agüentar o peso; mas estes mesmos músculos podem trabalhar o dia inteiro se a sua ação for alternada com a de outros. Portanto, sempre que ouvimos um clérigo zunindo durante o culto, e do mesmo jeito e no mesmo tom lendo, orando e exortando, podemos estar perfeitamente certos de que ele está dando às suas cordas vocais dez vezes mais trabalho do que o absolutamente necessário.”
Talvez seja este o ponto próprio para reiterar uma opinião que várias vezes expressei neste recinto, que o autor que citei me faz lembrar. Se os ministros falassem com maior freqüência, as suas gargantas e os seus pulmões estariam menos sujeitos à doença. Disto estou bem seguro; é questão de experiência pessoal e de ampla observação, e minha confiança é que não estou enganado. Cavalheiros, pregar duas vezes por semana é muito perigoso, mas descobri que cinco ou seis vezes é saudável, e que até doze ou quatorze vezes não é excessivo. Um verdureiro veria que anunciar aos gritos couve-flor e batatas um dia por semana seria esforço mais laborioso, mas quando em seis dias sucessivos enche as ruas, avenidas e becos com o seu sonoro estrépito, não achará nenhuma dysphonia pomariorum (disfonia dos fruteiros) ou “mal de garganta de verdureiro” afastando-o dos seus modestos trabalhos. Agradou-me ver a minha opinião – de que pregar poucas vezes é a raiz de muitos males, declarada explicitamente assim pelo Dr. Fenwick.
“Todas as indicações que aqui registrei serão ineficazes, creio eu, sem a sistemática e diária prática da voz. Nada parece ter tanta tendência para produzir esta doença como falar prolongadamente, alternando-se isto com longos intervalos de repouso, coisa à qual os clérigos estão particularmente sujeitos. Qualquer pessoa que der um momento de consideração ao assunto entenderá prontamente isto. Se um homem ou qualquer outro animal for destinado a qualquer esforço muscular incomum,e treinado nisso regularmente todos os dias, tornará fácil o trabalho que de outra forma seria quase impossível realizar. Mas a maioria dos que exercem a carreira eclesiástica se submete a grande intensidade de esforço muscular falando apenas um dia por semana, ao passo que nos restantes seis dias raramente eles elevam a voz acima do diapasão normal. Se um ferreiro ou um carpinteiro passasse desse modo pela fadiga ligada ao exercício da sua ocupação profissional, não só ficaria despreparado para ela, mas também perderia a aptidão que tivesse adquirido. O exemplo dos mais célebres oradores que o mundo já viu prova as vantagens da regular e constante prática da alocução; e em razão disto recomendo com a máxima ênfase a todas as pessoas sujeitas a esta questão que leiam em voz alta uma ou duas vezes por dia, empregando o mesmo grau de voz que emprega no púlpito, e dando especial atenção à postura do peito e da garganta, e à clara e adequada articulação das palavras.”
O Sr. Beecher é da mesma opinião, pois observa:
“Os jornaleiros mostram aquilo que o pregão ao ar livre faz com os pulmões do pregador. Que faria o orador de fala apagada e fraca, que mal consegue alcançar duzentos ouvintes com a sua voz, se tivesse que gritar anunciando a venda de jornais? Os jornaleiros de Nova York ficam de pé no início de uma rua, e mandam as suas vozes rua abaixo, por toda a extensão dela, como um atleta faria rolar uma bola por uma pista. Aconselhamos os homens que se estão preparando para profissões que exigem oratória a que se dediquem por algum tempo ao trabalho de vendedor ambulante. Os novos ministros poderiam compartilhar do serviço dos camelôs durante algum tempo, até que soubessem abrir a boca e tivessem á laringe vigorosa e resistente”.
Cavalheiros, uma regra necessária é – adaptem sempre a sua voz ao seu assunto. Não mostrem júbilo quando o assunto é melancólico e, por outro lado, não se arrastem pesadamente quando os tons deveriam saltitar ágeis e alegres, como se estivessem dançando ao som das melodias dos anjos do céu. Não me alongarei sobre esta regra, mas fiquem certos de que é da maior importância e, se for seguida obedientemente, sempre assegurará atenção, desde que a sua exposição a mereça. Adaptem sempre a voz ao assunto e, acima de tudo, sejam naturais em todas as coisas. Fora para sempre com a servidão a regras e modelos. Não imitem as vozes de outrem, mas se por uma invencível propensão as reproduzem, então imitem as melhores qualidades de cada orador, e o mal estará diminuído. Eu mesmo, por uma espécie de influência irresistível, sinto-me arrastado a ser um imitador, de sorte que uma viagem pela Escócia ou Gales afetará substancialmente a minha pronúncia e a minha entonação por uma semana ou duas. Lutar contra isso eu luto, mas aí está, e o único remédio que conheço para curá-lo é deixar que o defeito morra de morte natural.
Cavalheiros, volto à minha regra – usem as suas vozes naturais. Não sejam macacos, mas homens; não papagaios, mas homens capazes de originalidade em todas as coisas. Diz-se que a maneira mais conveniente de um homem usar a barba é aquela em que a barba cresce ajustando-se ao rosto, na cor e na forma. Os seus próprios modos de falar deverão estar ao máximo em harmonia com os seus métodos de pensamento e com a sua personalidade. A mímica é para o teatro; o homem ilustrado em sua personalidade santificada é para o santuário. Eu repetiria até ao cansaço esta regra, se pensasse que vocês poderiam esquecê-la; sejam naturais, sejam naturais, sejam perpetuamente naturais. Uma simulação da voz ou uma imitação da maneira do Dr. Silvertongue (Língua de Prata), o eminente teólogo, ou mesmo de um estimadíssimo preceptor ou diretor, inevitavelmente os arruinará. Dou-lhes a incumbência de lançar fora o servilismo da imitação e de elevar-se à originalidade viril.
Diletos irmãos, somos obrigados a acrescentar – esforcem-se para educar a voz. Não lamentem as penas e os trabalhos requeridos para realizar isso, pois, como já se observou bem, “Por mais prodigiosos que sejam os dons da natureza a seus eleitos, só podem ser desenvolvidos e levados à sua extrema perfeição pelo trabalho e pelo estudo”. Pensem em Miguel Ângelo trabalhando uma semana sem trocar de roupa, e em Handel deixando côncava como uma colher cada tecla do seu cravo pela prática incessante. Cavalheiros, depois disso, nunca falem de dificuldade ou cansaço. É quase impossível ver a utilidade do método de falar de Demóstenes, com pedras na boca, mas qualquer um pode perceber como é útil argumentar com as ruidosas e encapeladas ondas, para que fosse capaz de fazer-se ouvir nas tumultuadas assembléias dos seus patrícios; e por que falava enquanto subia correndo morro acima para que os seus pulmões acumulassem força, graças ao seu uso laborioso, a razão é tão óbvia como recomendável é a abnegação.
Cabe-nos usar todos os meios possíveis para aperfeiçoar a voz, com a qual havemos de expor o glorioso evangelho do Deus bendito. Tenham grande cuidado com as consoantes, enunciando com clareza cada uma delas; são as feições e as expressões das palavras. Pratiquem infatigavelmente, até darem a cada uma das consoantes o que lhe é devido; as vogais têm a voz que lhes é própria, e portanto podem falar por si mesmas. Em todas as outras questões exerçam uma disciplina rígida até dominarem a sua voz e tê-la à mão como um corcel bem treinado. Os cavalheiros de peito estreito são aconselhados a exercitar-se com halteres todas as manhãs, ou melhor ainda, com aqueles peitorais que esta escola providenciou para vocês.
Irmãos, vocês precisam ter ampla caixa torácica e devem fazer o melhor que puderem para consegui-la. Não falem com as mãos metidas nos bolsos do colete, contraindo deste modo os pulmões, mas lancem para trás os ombros, como fazem os cantores públicos. Não se inclinem sobre uma escrivaninha enquanto falam e nunca abaixem a cabeça sobre o peito enquanto pregam. Para cima, e não para baixo, façam curvar-se o corpo. Fora com todas as gravatas apertadas e com coletes fechados até em cima; dêem lugar ao pleno desempenho dos foles e tubos sonoros. Observem as estátuas dos oradores gregos e romanos, olhem um quadro de Paulo feito por Rafael, e, sem artificialismo pedante, adotem com naturalidade as atitudes elegantes e convenientes ali retratadas, pois são as melhores para a voz.
Peçam a um amigo que lhe diga quais são as suas falhas, ou melhor ainda, acolham bem um inimigo que os vigie com rigor e os aguilhoe com selvageria. Que bênção será para o sábio um crítico irritante assim, mas quão intolerável para o tolo! Corrijam-se a si mesmos, com diligência e com freqüência, ou cairão inadvertidamente em erros, os tons falsos se desenvolverão, ou hábitos desordenados se formarão insensivelmente; portanto, façam autocríticas com incessante vigilância. Não considerem pouco aquilo pelo que vocês possam vir a ser um pouco mais útil. Mas, cavalheiros, jamais degenerem nesta atividade, transformando-se em janotas do púlpito, que pensam que a gesticulação e a voz são tudo. Meu coração padece quando ouço falar de homens que tomam a semana toda para fazer um sermão, sendo que o preparo todo consiste em repetir as suas preciosas produções diante do espelho!
Ai desta era, se corações destituídos da graça hão de ser perdoados por amor à graça das suas maneiras. Oxalá nos dêem todas as vulgaridades do mais rude pregador itinerante dos rincões mais afastados, antes que a perfumada lindeza do donaire efeminado. Como eu não os aconselharia a serem fastidiosos com suas vozes, tampouco os recomendaria que imitassem o Sr. Taplash (amigo de Rowland Hill) com o seu anel de diamante, seu lenço repassado de fino perfume, e seu monóculo. Os elementos refinados estão deslocados no púlpito; deveriam ser colocados numa vitrina, com uma etiqueta: “Este artigo elegante completo, com o Dr. Fulano incluído, 10 libras e 10 xelins”.
Talvez seja este o momento para observar que seria bom se todos os pais dessem mais atenção aos dentes dos seus filhos, desde que dentes defeituosos podem causar sério prejuízo a um orador. Há homens de articulação defeituosa que deveriam procurar logo um dentista (refiro-me, é claro, a um dentista cientificamente perito e experimentado), pois alguns dentes postigos ou algum outro acerto simples seriam uma bênção permanente para eles. O meu dentista anota mui sensatamente em sua circular:
“Quando se perdem alguns ou todos os dentes, segue-se uma contração dos músculos do rosto e da garganta, os outros órgãos da voz que estavam habituados aos dentes ficam prejudicados e são deslocados da sua função normal, produzindo uma falha, um entorpecimento ou uma depressão, como num instrumento musical deficiente numa nota. Em vão se esperará sinfonia perfeita e inflexão proporcional e harmoniosa com a nota, a tonalidade e o volume da voz, se os órgãos forem deficientes e, naturalmente, a articulação ficará defeituosa. Esse defeito aumenta muito o esforço para falar, para dizer o mínimo, e em muitíssimos casos, o resultado é gaguejo, ou uma queda rápida ou brusca da fluência, ou uma transmissão fraca. De deficiências mais sérias, quase certamente resultarão chiados e estalos”.
Quando o mal for este e a cura estiver ao nosso alcance, temos a obrigação de utilizar-nos dela, por amor do nosso trabalho. Os dentes podem parecer coisa sem importância, mas convém lembrar que nada é pequeno numa Vocação tão grande como a nossa. Nas observações subseqüentes mencionarei questões menores ainda, mas o faço com a profunda impressão de que sugestões sobre coisas insignificantes podem ser de valor incalculável para livrar-lhes de graves omissões ou erros grosseiros.
Finalmente, com relação às suas gargantas, eu gostaria de dizer – cuidem delas. Tenham o cuidado de limpá-las bem quando estiverem perto da hora de falar, mas não fiquem a limpá-las constantemente enquanto estiverem pregando. Um irmão muito estimado, meu conhecido, fala sempre deste jeito – “Prezados amigos – hem, hem – é um assunto – hem – muito importante o que agora – hem, hem – lhes apresento, e – hem, hem – lhes peço que me dêem – hem, hem – a sua mais cuidadosa – hem atenção”. Evitem isto com o máximo empenho.
Outros, por falta de limpeza da garganta, falam como se estivessem entupidos e a ponto de expectorar; seria melhor que o fizessem de uma vez, em lugar de deixar enjoado o ouvinte com repetidos sons desagradáveis. Fungar e aspirar pelo nariz são desculpáveis quando o pregador está resfriado, mas são extremamente desagradáveis, no entanto se se tornam habituais, deveriam ser indiciados como infrações contra o “decreto dos aborrecimentos”. Rogo escusas, pois pode parecer vulgar mencionar essas coisas, mas se derem atenção às claras e francas observações feitas nesta sala de aulas poderão livrar-se de muitos motejos feitos ás suas custas mais tarde.
Depois de terem pregado, cuidem das suas gargantas, não as envolvendo com agasalhos exagerados. Com base em experiência pessoal, aventuro-me a dar-lhes este conselho de maneira um tanto confidencial. Se alguns de vocês possuem cachecóis de lã deliciosamente quentes, com os quais talvez estejam associadas as mais ternas recordações da mãe ou da irmã, estimem-nos – mas entesourem-nos no fundo do baú; não os exponham a nenhum uso vulgar envolvendo com eles os seus pescoços. Se algum colega quiser morrer de gripe, basta usar uma cálida manta estreita ao redor do pescoço; depois, numa noite qualquer a esquecerá e pegará um resfriado daqueles, que durará pelo resto da sua vida. Raramente se vê um marinheiro com o pescoço agasalhado. Não. Ele sempre o mantém nu e exposto, com colarinho aberto e baixo, e se chega a usar gravata, é das pequenas e de laço solto, de modo que o vento possa soprar em torno do seu pescoço. Sou firme seguidor desta filosofia, e nunca me desviei dela nestes últimos quatorze anos, tendo sofrido resfriado muitas vezes antes disso, e raramente depois. Se acham que lhes falta algo, deixem crescer a barba, ora! Hábito muito natural, bíblico, másculo e benéfico. Um dos nossos irmãos, aqui presente, já faz anos que acha isso muito útil. Foi compelido a sair da Inglaterra por perder a voz, mas ficou forte como Sansão, agora que as suas melenas ficam sem tosquiar.
Se suas gargantas ficarem afetadas, consultem um médico, ou, se não puderem fazer isso, dêem a atenção que lhes aprouver à seguinte idéia: Jamais comprem nenhum dos dez mil emolientes compostos – xaropes, pastilhas, descongestionantes – que a propaganda popular exalta. Podem servir-lhes por uma vez, removendo o incômodo do momento, mas arruínam a garganta com as suas qualidades relaxantes. Se quiserem melhorar as suas gargantas, tomem uma boa porção de pimenta – da boa pimenta de Caiena, e outras substâncias adstringentes, na quantidade que o seu estômago puder agüentar. Não vão além dessa medida, porque precisam lembrar-se de que devem cuidar do estômago, bem como da garganta, e se o aparelho digestivo sofrer desarranjo, nada poderá funcionar bem. O bom senso ensina que os adstringentes só podem ser úteis.
Alguma vez vocês ouviram falar que o curtidor transforma pele crua em bom couro deixando-a embebida em açúcar? Tampouco servirão ao propósito dele o bálsamo-de-tolu, a ipecacuanha e o melado, mas justamente o contrário; se ele quer enrijecer e fortalece a pele, coloca-a numa solução de casca de carvalho ou tanino, ou de alguma substância adstringente capaz de fazer contrair-se o material e de fortalecê-lo.
Quando comecei a pregar no Exeter Hall, a minha voz era fraca para aquele local – tão fraca como as vozes em seu curso normal, e muitas vezes me faltava completamente quando pregava na rua. Mas no Exeter Hall (lugar geralmente difícil para ser usado para pregação, por sua excessiva largura, desproporcional ao seu comprimento), eu sempre tinha bem perto de mim um vidrinho de vinagre com pimenta e água. Um gole daquilo parecia dar novas forças à garganta, sempre que esta ia ficando cansada e a voz parecia sucumbir. Quando a minha garganta se enfraquece um pouco, normalmente peço ao cozinheiro que me prepare uma tigela de caldo de carne, com tanta pimenta quanta se pode agüentar, e até aqui isso tem sido um soberbo remédio.
Todavia, como não estou qualificado para a prática da medicina, vocês não me darão mais atenção nas questões médicas do que a qualquer outro charlatão. Minha convicção é que metade das dificuldades relacionadas com a voz nos nossos primeiros tempos desaparecerá com o passar dos anos e, com a prática, desenvolverá uma segunda natureza.
Quero encorajar os que de fato são zelosos, a perseverarem. Se sentem a Palavra do Senhor arder como fogo nos seus ossos, até a gagueira poderá ser vencida, e o medo, com os seus resultados paralisantes, poderá ser banido. Coragem, jovens irmãos! Perseverem, e Deus, a natureza e a prática os ajudarão.
1 “Cuidado com qualquer coisa que seja grosseira ou sofisticada, na gesticulação, nas frases ou na pronúncia.” – João Wesley.