1 e 2 – CONCEITO DE “JESUS HISTÓRICO” – Cristologia
No período compreendido entre 1774 a 1778, foi iniciada a procura do Jesus Histórico. Lessing publicou pós morte as anotações de Hermann Samuel Reimarus. Esse estudioso questionava a tradicional forma de apresentar Jesus na Igreja e no Novo Testamento. Para ele Jesus nunca fizera uma reivindicação messiânica, nunca institui qualquer sacramento, nunca predisse a sua morte e nem ressuscitou dentre os mortos. Dizia que Jesus era um engodo. Essa atitude instigou a busca do Jesus “verdadeiro”. A metodologia racionalista foi a predominante como método de pesquisa dessa busca, peculiar a primeira parte do século XIX. A polêmica desses estudos foi um terreno fértil para nascerem obras pró e contra Jesus.
O interregno entre a Primeira e a Segunda Grande Guerra Mundial foi a ocasião em que a busca do Jesus histórico foi abandonada, em função da falta de interesse pela procura e pelas dúvidas quanto a sua possibilidade. Entretanto, três fatores foram fundamentais para essa desistência: primeiro – a obra de Albert Schweitzer que revelou a idéia de que o Jesus liberal nunca existiu, pois ele foi criado e baseado nos desejos de liberais, não em fatos verídicos; segundo – a partir da obra de William Wrede e dos críticos da forma, houve o reconhecimento de que os evangelhos não eram meramente biografias objetivas que facilmente poderiam ser pesquisadas à procura de informações historicistas; por fim – Martin Kahler influenciou os estudiosos a reconhecerem que o objeto da fé da igreja no decurso de todos os séculos nunca tinha sido o Jesus histórico do liberalismo teológico, mas o cristo da fé, ou seja, o Cristo sobrenatural proclamado nas Sagradas Letras.
Ernst kasemann, em 1953, reacendeu as chamas da busca do Jesus da história, propalando seu receio de que a lacuna entre o Jesus da história e o Cristo da fé era muito semelhante à heresia docética, que negava a humanidade do Filho de Deus. Como era de se esperar Kasemann decepcionou-se em seus intentos.
O avanço da ciência histórica não tem modificado a opinião universal a cerca do Senhor Jesus. Prova disso é que, desde o mundo antigo à contemporaneidade, encontramos mesmo que em forma diversificada a historicidade da pessoa bendita de Jesus de Nazaré.
2.1. A Objeção da Igreja Cristã ao Chamado “Jesus Histórico”
A igreja cristã ri do fascínio dos liberais pela busca do que eles chamam de “Jesus Histórico”. Isso se justifica pelo fato de que o Cristianismo é o que é através da afirmação de que o homem Jesus de Nazaré, que foi chamado “o Cristo”, é de fato o Cristo, a saber, o Messias, o Ungido. Toda vez que é sustentada a asserção de que Jesus é o Cristo, ali existe a mensagem cristã; onde quer que essa asserção seja negada, é negada igualmente a mensagem cristã.
A religião cristã nasceu não quando nasceu o homem chamado “Jesus”, mas sim, no momento que um de seus seguidores foi levado a dizer-lhe: “Tu és o Cristo”. E o Cristianismo ficará vivo enquanto existirem pessoas que repitam essa afirmação. Isso porque o evento sobre o qual o Cristianismo se baseia apresenta dois lados: o fato que é chamado “Jesus de Nazaré” e a recepção deste fato por aqueles que O receberam como o Cristo. Interessante que no momento que os discípulos O aceitam como o Cristo é também o momento que Ele é rejeitado pelos poderes da história. Então, Aquele que é o Cristo deve morrer por haver aceito o título de “Cristo”.
Jesus como o Cristo é tanto um fato histórico quanto um objeto de recepção pela fé. Não se pode afirmar a verdade sobre o evento no qual se baseia o Cristianismo sem afirmar ambos esses lados. Se Jesus não tivesse impactado os seus discípulos com o fato de ser o Cristo, e eles tivessem crido, bem como através deles a todas as gerações posteriores, o homem que é chamado Jesus de Nazaré talvez fosse recordado apenas como uma pessoa histórica e religiosamente importante. Mas se ele foi crido e provou de fato ser o Cristo.
Nesse sentido, quem é o “Jesus Histórico”? Russel Norman Champlin responde tal questionamento em sua obra Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. Para ele o Jesus histórico é igualmente o Jesus a quem adoramos e servimos. É o Jesus teológico naturalmente, podemos ter algumas noções falsas a cerca d’Ele, mas há tal identificação de pessoa. Jesus é uma figura cósmica, dotada de importância universal. Não foi meramente um homem bom, um excelente mestre. Ele é também o Senhor da Glória, no sentido mais literal possível.
James Moffatt, em sua obra Jesus Christ The Same assevera:
“Nada é mais provável do que aquele que viveu à face da Terra, por alguns poucos anos, seja o mesmo Cristo, a quem seus seguidores adoram como Senhor; nenhum novo Jesus foi criado por algum movimento sincretista do primeiro século cristão. Há certa unidade no ministério insolúvel de sua pessoa, que é, não apenas real, mas também é, a causa real que subjaz às diversas interpretações de sua vida e de sua obra, e as experiências posteriores Igreja subentendem, repetida e continuadamente, que deve haver comunhão com ele, como algo mais profundo que qualquer modificação interna ou externa da fé”.
2.2. A Pesquisa em Busca do “Jesus Histórico” e o Fracasso da Investigação
Paul Tilllych, em sua obra Teologia Sistemática expõe o insucesso da capturação do chamado “Jesus Histórico”. Pude dividir a opinião de Tillych em cinco pontos, a saber:
1. Foi falsa a idéia de a crítica histórica ter destruído a própria fé.
2. Esse fracasso foi motivado pela natureza das fontes de pesquisa.
3. O Cristianismo se alicerça no testemunho a respeito do caráter messiânico de Jesus e não em uma novela histórica.
4. Os ensinos e as mensagens de Jesus não têm relação com a situação concreta na qual foram pronunciadas.
5. Uma confusão em torno do termo “Jesus Histórico”.
Vejamos esses cinco aspectos do pensamento Tillychano.
A. A Crítica Histórica Parecia Haver Destruído a Própria Fé. Desde o momento em que foi aplicado o método científico de pesquisa histórica à literatura bíblica, problemas teológicos que nunca estiveram completamente ausentes ficaram de tal forma aumentados, como nunca o estiveram em períodos anteriores da história da igreja. O método histórico une elementos analítico-críticos e construtivo-conjeturais. Para a consciência cristã normal, moldada pela doutrina ortodoxa da inspiração verbal, o primeiro elemento impressionou muito mais do que o segundo. Só foi sentido o elemento negativo no termo “crítica”, e esse empreendimento todo foi chamado de “crítica histórica” ou “alta crítica”’ ou, com referência a um método recente, “critica da forma”. Em si mesmo, o termo “crítica histórica” significa nada mais do que pesquisa histórica. Toda pesquisa histórica crítica suas fontes, separando aquilo que apresenta mais probabilidade daquilo que apresenta menos ou é totalmente improvável. Ninguém duvida da validez desse método, já que ele é confirmado continuamente por seu sucesso; e ninguém protesta com seriedade se ele destrói belas lendas e preconceitos profundamente enraizados. Mas a pesquisa bíblica se tornou suspeita desde seu próprio começo. Ela parecia criticar não só as fontes históricas, mas também a revelação contida nessas fontes. Pesquisa histórica e rejeição da autoridade bíblica foram consideradas idênticas. Revelação, supunha-se, abarcava não só o conteúdo revelatório, mas também a forma histórica na qual apareceu. Isso parecia ser verdade especialmente com relação aos fatos referentes ao “Jesus histórico”. Já que a revelação bíblica é essencialmente histórica, parecia impossível separar o conteúdo revelatório dos relatos históricos tais quais apresentados nos registros bíblicos. A crítica histórica parecia haver destruído a própria fé.
Mas a parte crítica da pesquisa histórica na literatura bíblica é a parte menos importante. Mais importante é a parte construtivo-conjetural, que foi a força motora em todo esse empreendimento. Os fatos que estão por três dos registros, foram buscados; especialmente se buscaram os fatos sobre Jesus. Havia um desejo urgente de descobrir a realidade desse homem, Jesus de Nazaré, por trás das tradições coloridas e ao mesmo tempo, camufladoras dessa realidade, que são tão antigas quanto ela própria. Desse modo, a pesquisa pelo assim chamado “Jesus histórico” teve início. Seus motivos eram ao mesmo tempo religiosos e científicos. Essa tentativa era corajosa, nobre e extremamente significativa em muitos aspectos. Suas conseqüências teológicas são inúmeras e bastante importantes. Mas, vista à luz de sua intenção básica, a tentativa da crítica histórica de encontrar a verdade empírica sobre Jesus de Nazaré foi um fracasso. O Jesus histórico, a saber, o Jesus que está por trás dos símbolos de sua recepção como o Cristo, não só não apareceram, quanto se distanciavam cada vez mais g medida que se dava um novo passo. A história das tentativas de se escrever uma “vida de Jesus”, elaborada por Albert Schweitzer em sua primeira obra, “A busca do Jesus Histórico” ainda é válida. Sua própria tentativa construtiva foi corrigida. Eruditos, tanto conservadores quanto radicais, se tornaram mais cautelosos, mas a situação metodológica não mudou. Isso se tornou manifesto quando o programa ousado de “desmitologização do Novo Testamento”, feito por Bultmann, levantou uma
tempestade em todos os campos teológicos, e a lentidão com que a escola de Barth considerava o problema histórico foi seguida por um impressionante despertamento. Mas o resultado do questionamento novo (e muito antigo) não é uma imagem do assim chamado Jesus histórico, mas o “insight” de que não existe uma imagem por trás da imagem bíblica que pudesse se tornar cientificamente provável.
B. O Fracasso foi Motivado Pela Natureza das Fontes de Pesquisa. A situação exposta acima não é questão de um defeito passageiro da pesquisa histórica que um dia seja superado. Ela é causada pela própria natureza das fontes. Os registros sobre Jesus de Nazaré são os de Jesus como o Cristo, dados por pessoas que o receberam como o Cristo. Portanto, se tentamos encontrar o Jesus real que está por trás da imagem de Jesus como o Cristo, é necessário separar criticamente os elementos que pertencem ao lado factual do evento, daqueles elementos que pertencem ao lado receptivo. Ao fazer isso, esboça-se uma “Vida de Jesus”; muitos desses esboços foram elaborados. Em muitos deles atuaram juntos: honestidade científica, devoção amorosa e interesse teológico. Em outros são visíveis o distanciamento crítico e até mesmo a rejeição malévola. Mas nenhum pode reivindicar ser uma imagem provável, que seja o resultado de um labor científico tremendo dedicado à essa tarefa durante duzentos anos. No máximo, eles são resultados mais ou menos prováveis, incapazes seja de fornecer uma base para a aceitação da fé cristã, seja para rejeitá-la.
Tendo em vista essa situação, houve tentativas de reduzir a imagem do Jesus histórico aos seus traços “essenciais”; a elaborar uma Gestalt, ao mesmo tempo em que deixando abertos g dúvida seus traços particulares. Mas esse não é o processo correto. A pesquisa histórica não pode pintar uma imagem essencial depois de eliminar todos os traços particulares porque eles são questionáveis. Ela permanece dependente dos traços particulares.
Conseqüentemente, as imagens do Jesus histórico nas quais é amplamente evitada uma “Vida de Jesus” diferem tanto umas das outras, quanto aquelas nas quais não é aplicada tal auto-restrição.
A dependência da Gestalt na valoração dos traços particulares é evidente num exemplo tomado do complexo daquilo que Jesus ensinou sobre si mesmo. Para elaborar esse ponto, deve-se saber, além de muitas outras coisas, se ele aplicou o título “Filho do Homem” a si mesmo, e caso sim, em que sentido. Toda resposta dada a essa questão é uma hipótese mais ou menos provável, mas o caráter do quadro “essencial” do Jesus histórico depende decisivamente dessa hipótese. Esse exemplo mostra claramente a impossibilidade de substituir a tentativa de esboçar uma “Vida de Jesus” tentando pintar a “Gestalt de Jesus”
Esse exemplo mostra ao mesmo tempo outro ponto importante. Pessoas que não estão familiarizadas com o aspecto metodológico da pesquisa histórica temem suas conseqüências para a doutrina cristã e por isso gostam de atacar a pesquisa histórica em geral e a pesquisa na literatura bíblica em especial, acusando-as de preconceitos teológicos. Se elas forem consistentes, negarão que sua própria interpretação também é preconcebida ou, como elas diriam, dependente da verdade de sua fé. Mas elas negam que o método histórico tenha critérios científicos objetivos. Contudo, essa afirmação não pode ser sustentada em vista do imenso material histórico que foi descoberto e freqüentemente verificado de forma empírica por um método de pesquisa usado universalmente. E característico desse método que ele tenta manter uma auto-crítica permanente para libertar-se de preconceitos conscientes ou inconscientes. Isso nunca é plenamente bem sucedido, mas é uma arma poderosa e necessária para se obter conhecimento histórico.
Um dos exemplos aludidos freqüentemente neste contexto é o tratamento dos milagres do Novo Testamento. O método histórico não aborda as histórias de milagres nem com o pressuposto de que aconteceram porque foram atribuídos aquele que é chamado o Cristo, nem com o pressuposto de que eles não aconteceram porque esses eventos contradiriam as leis da natureza. O método histórico pergunta, quão fidedignos são os relatos em cada caso particular, quão dependentes são eles de fontes mais antigas, como poderiam ter sido influenciados pela credulidade de um período, como são bem confirmados por outras fontes independentes, em que estilo são escritos, e para que finalmente são usados no contexto todo. Todas essas questões podem ser respondidas de forma “objetiva” sem a interferência desnecessária de preconceitos positivos ou negativos. O historiador nunca pode conseguir uma certeza dessa forma, mas pode chegar a um alto grau de probabilidade. Contudo, seria um salto a outro nível se ele transformasse a probabilidade histórica em uma certeza histórica positiva ou negativa mediante um juízo de fé (como será mostrado mais adiante). Essa distinção clara freqüentemente é confundida pelo fato óbvio de que a compreensão do sentido de um texto é parcialmente dependente das categorias de compreensão usadas no encontro com textos e registros. Mas não é totalmente dependente delas, já que existem aspectos filológicos e outros que estão abertos à uma abordagem objetiva. Compreensão exige participação do sujeito naquilo que compreende, e só podemos participar em termos daquilo que somos, incluindo nossas próprias categorias de compreensão. Mas essa compreensão “existencial” nunca deveria perverter o juízo do historiador com respeito aos fatos e relações. A pessoa cuja preocupação última é o conteúdo da mensagem bíblica está na mesma posição que aquela cujo conteúdo t indiferente, se discutem questões como as do desenvolvimento da tradição sinótica, ou os elementos mitológicos e lendários do Novo Testamento. Ambas têm os mesmos critérios de probabilidade histórica e devem usá-los com o mesmo rigor, embora ao fazer isso possam afetar suas próprias convicções religiosas ou filosóficas. Nesse processo pode acontecer que preconceitos que fecham os olhos para fatos particulares abrem-nos para outros. Mas esse “abrir os olhos” é uma experiência pessoal que não pode ser convertida num princípio metodológico. Só existe um procedimento metodológico, e esse consiste em olhar o objeto a ser investigado e não nossa maneira de olhar o objeto, já que nossa atitude se acha realmente determinada por muitos fatores psicológicos, sociológicos e históricos. Esses aspectos devem ser desconsiderados intencionalmente por quem quer que aborde um fato objetivamente. Não se deve formular um juízo sobre a auto-consciência de Jesus a partir do fato de que se é um cristão – ou anti-cristão. O juízo deve ser inferido de um certo grau de plausibilidade, baseado em registros e em sua provável validez histórica. Isso, sem dúvida, pressupõe que o conteúdo da fé cristã seja dependente desse juízo.
C. O Cristianismo se Baseia no Testemunho a Respeito do Caráter Messiânico de Jesus. A religião cristã se alicerça no testemunho a respeito do caráter messiânico de Jesus de Nazaré e não em uma novela histórica, eis aí o fracasso da caça pelo Jesus Histórico. A busca do Jesus histórico foi uma tentativa de descobrir um mínimo de fatos confiáveis sobre o homem Jesus de Nazaré, para se obter um fundamento seguro à fé cristã. Essa tentativa foi um fracasso. A pesquisa histórica forneceu probabilidades sobre Jesus, em grau maior ou menor. A base dessas probabilidades, ela esboçou “Vidas de Jesus”. Mas essas se pareciam mais a novelas do que a biografias; elas com certeza não poderiam fornecer uma base segura para a fé cristã. O cristianismo não se baseia na aceitação de uma novela histórica; ele se baseia no testemunho a respeito do caráter messiânico de Jesus por pessoas que não estavam absolutamente interessadas numa biografia do Messias.
A intuição dessa situação induziu alguns teólogos a desistirem de qualquer tentativa de construir uma “vida” ou uma Gestalt do Jesus histórico e restringir-se a uma interpretação das “palavras” de Jesus. A maior parte dessas palavras (embora não todas) não se referem a ele mesmo e podem ser separadas de qualquer contexto biográfico. Portanto, seu sentido é independente do fato de que possam ou não ter sido ditas por ele. Nessa base o problema biográfico insolúvel não guarda a menor relação com a verdade das palavras correta ou erradamente registradas como palavras de Jesus. O fato de que a maioria das palavras de Jesus tem um paralelo na literatura judaica contemporânea não é um argumento contra sua validez. Esse também não é um argumento contra sua unicidade e poder, tais como aparecem em coleções como o Sermão da Montanha, as parábolas e as discussões com inimigos, bem como com seus seguidores.
D. Os Ensinos e as Mensagens de Jesus Cristo. Uma teologia que tenta fazer das palavras de Jesus um fundamento histórico da fé cristã pode fazê-lo de duas maneiras. Pode tratar as palavras de Jesus como “ensinos de Jesus” ou como “mensagem de Jesus”. Como ensinos de Jesus, elas são entendidas como interpretações refinadas da lei natural ou como intuições originais da natureza do homem. Elas não tem relação com a situação concreta na qual foram pronunciadas. Como tal, pertencem à lei, profecia ou literatura sapiencial, da mesma maneira como no Antigo Testamento. Elas podem transcender todas essas três categorias em termos de profundidade e poder; mas não os transcendem em termos de caráter. Contudo, restringir a investigação histórica aos “ensinos de Jesus” é reduzir Jesus ao nível do Antigo Testamento e implicitamente negar sua reivindicação de superar o contexto Vetero-Testamentário.
A segunda forma pela qual a pesquisa histórica se restringe às palavras de Jesus C mais profunda que a primeira. Ele nega que as palavras de Jesus sejam regras gerais de comportamento humano, que elas sejam regras às quais a gente deva se sujeitar, ou que elas sejam universais e possam portanto ser abstraídas da situação na qual foram ditas. Em vez disso, enfatizam a mensagem de Jesus de que o Reino de Deus está “à mão” e que portanto aqueles que querem entrar nele devem se decidir a favor ou contra o Reino. Essas palavras de Jesus não são regras gerais, mas exigências concretas. Essa interpretação do Jesus histórico, sugerida especialmente por Rudolf Bultmann, identifica o sentido de Jesus com o sentido de sua mensagem. Ele exige uma decisão, a saber, a decisão por Deus. E essa decisão inclui a aceitação da Cruz, porque ele mesmo aceitou a sua. Aquilo que é historicamente impossível, a saber, o esboço de uma “vida” ou uma Gestalt de Jesus, é engenhosamente evitado usando aquilo que está imediatamente dado – a saber, sua mensagem sobre o Reino de Deus e suas condições e apegando-se cada vez mais ao “paradoxo da Cruz de Cristo” Mas até mesmo esse método de juízo histórico restrito não pode oferecer um fundamento à fé cristã. Ele não mostra como pode ser cumprida a exigência de decidir-se pelo Reino de Deus. A situação de ter que se decidir permanece sendo aquela sob a lei. Não transcende a situação do Antigo Testamento, a situação da busca por Cristo. Pode-se chamar a essa teologia de “liberalismo existencialista” em contraste com o “liberalismo legalista” do primeiro. Mas nenhum desses métodos responde à pergunta de onde reside o poder de obedecer aos ensinos de Jesus ou de decidir-se pelo Reino de Deus. Isso esses métodos não podem fazer porque a resposta deve vir de uma nova realidade que, de acordo com a mensagem cristã, é o Novo Ser em Jesus como o Cristo. A Cruz é o símbolo de um dom antes de ser o símbolo de uma exigência. Mas, se isso for aceito, é impossível retirar-se do ser de Cristo para refugiar-se em suas palavras. A via de acesso última da pesquisa e busca do Jesus histórico está barrada, e manifesta o fracasso da tentativa de apresentar um fundamento à fé cristã através da investigação histórica.
E. A Confusão Semântica em Torno da Expressão “Jesus Histórico”. Esse resultado teria sido reconhecido com mais facilidade se não fosse pela confusão semântica a respeito do sentido do termo “Jesus histórico”. Esse termo foi usado predominantemente para os resultados da pesquisa histórica referente ao caráter e vida da pessoa que está por trás dos registros do Evangelho. Como todo conhecimento histórico, nosso conhecimento dessa pessoa é fragmentário e hipotético. A investigação histórica sujeita esse conhecimento ao ceticismo metodológico e à mudança contínua que ocorre nos traços particulares, bem como nos essenciais. Ela tem como alvo ideal atingir um alto grau de probabilidade, mas em muitos casos isso é impossível.
O termo “Jesus histórico” também é usado para significar o evento “Jesus como Cristo” como um elemento factual. O termo nesse sentido levanta a questão da fé e não a questão da pesquisa histórica. Se o elemento factual no evento cristão fosse negado, seria negado também o fundamento do cristianismo. Ceticismo metodológico sobre o labor da pesquisa histórica não nega esse elemento. A fé não pode nem mesmo garantir o nome “Jesus” com respeito àquele que foi o Cristo. Ela deve deixar isso às incertezas de nosso conhecimento histórico. Mas a fé garante a transformação factual da realidade naquela vida pessoal que o Novo Testamento expressa em sua imagem de Jesus como o Cristo. Se não se distinguirem esses dois sentidos do termo “Jesus histórico”, não é possível haver nenhuma discussão honesta e frutífera.